BOTINAS

Como não sou de me aboletar na obra alheia, esclare-

ço de prima que esta narrativa me foi soprada durante prosa

com o amigo e seresteiro de ponta Zezé Machado. Achei opor-

tuno reproduzi-la aqui no Recanto, tal o gosto que saboriei

nela: A PRATICIDADE FEMININA. Então vamos aos fatos:

Portugal, há muito tempo atrás:

Consta que numa pequena aldeia, uma jovem de nome

Ambrózia enviuvou. Enviuvou, estabelecendo assim a geral

confusão!

- Que confusão? Perguntarás. Ora pois, pois: a con-

fusão dos pretendentes da viúva, oh pá!

Não que a viuvez tivesse enricado Ambrózia. Ah isso

que não! Visto que os haveres deixados pelo falecido, so -

mavam duns cobres por mês e mais a chácara onde moravam.E

apenas isto! Ocorre porém que a viuvinha ao contrário do

nome, era linda, exuberante, jovem e prá resumir no bom ca-

rioquês: Um mulherão, danada de gostosa!!

De sorte que mal terminara as exéquias do amado es-

poso, choveu-lhe pretendentes: altos, baixos, ricos, pobres

Era um entra e sai na salinha da chácara, sem fim. Rapapé

prá cá...rapapé prá lá. Contudo Ambrózia manteve-se impas -

sível e determinou " que em memória do amantíssimo marido,

guardaria luto por dezoito meses."

- Dezoito meses? Frustaram-se os gajos.

- Dezoito meses! E assim foi.

Findo o prazo estipulado de lágrimas, lenços e ves -

tidos escuros, sucedeu-se o previsível; os pretendentes

voltaram à carga, ainda mais impetuosos. Eram promessa de

amor prá cá...meu bem me quer prá lá.., a romaria na sali-

nha da chácara espichou-se. Até dinheiro, até dinheiro es-

fregaram nas ventas da bela viuvinha! Que castimonha!! Era

preciso pôr um fim àquela súcia. Então foi que Ambrózia ar-

quitetou seu plano:

Reuniu os pretendentes em assembléia e deliberou se-

us propósitos nos seguintes termos:

" Novo matrimônio não contrairia! Pôsto que marido só teve

um na vida e ponto final! Mas como ainda era jovem, cheia

de vida e já inaugurada nos prazeres da carne, ponderava

que mais cedo ou mais tarde, seu corpo cobraria-lhe certos

deleites! E para dar vazão a esses desejos, consentia em

receber no seu leito os distintos cavalheiros. Desde que

sem exclusividade, a conta de um por noite e com uma con -

dição a saber:

- Aquele que me procurar na intimidade, deverá tra-

zer-me a título de prenda, um par de botinas novas!

- Botinas?? Pertubaram-se todos.

- Botinas e de tamanho quarenta e dois! Finalizou a

viuvinha.

É de se imaginar que não houve tempo para se pergun-

tar: O quê aquela formosura faria com botinas, ademais ta -

manho quarenta e dois? Pois foi uma corrida nas bodegas e

mercadinhos dos arredores, a procura da tal prenda. De for-

ma que em pouco tempo, a pequena aldeia se tornaria a maior

consumidora de botinas da paróquia - de tamanho quarenta e

dois...é claro!

E assim, de noite em noite, botina em botina, Ambró-

zia viu-se logo obrigada a erguer depósito de monta nos

fundos da chácara, afim de acomodar tanta prenda. E põe bo-

tinas nisso!!

Todavia os anos foram passando...passando e o tempo

que não poupa nada nem ninguém, também não poupou a viúva:

embranqueceu seus cabelos, curvou seu dorso, enrugou sua

pele e arrancou-lhe três dentes na fachada. O recorrente

leitãozinho assado e a gravidade, completaram o serviço:

desembelezar Ambrózia!

Certamente, nessa situação, suas visitas noturnas

foram minguando...minguando, até se extinguirem por comple-

to. Mas não vá cuidar o leitor que a viuvona perdeu o ponto

Ah não...não mesmo! Estava na hora de colocar o segundo mo-

vimento de seu plano em prática:

Logo, Ambrózia espalhou por toda cidade o seguinte

anúncio: " Todo gajo à partir dos dezessete anos, neces-

sitado de um bom par de botinas novas, que a procurasse na

chácara, afim de receber a prenda, na conta de um por noite

e com uma condição a saber......

Dizem que a viuvona deitou e rolou, teve desses de -

leites até o fim da vida. Não se viu mais pés descalços na

pequena aldeia. Alguns comerciantes especializados em boti-

nas amargaram falência.

Ambrózia só não se deu conta, é que de quebra pela

primeira vez na história, tinha instituído o plano de

previdência....privada é claro!!!

BARCEL FERREIRA..

BARCEL
Enviado por BARCEL em 01/02/2007
Código do texto: T366114