Amparo na Velhice (Causo real)

O jovem Sebastião José acordou com uma ideia fixa chacoalhando na cabeça. Amparo.

De repente ele se sentia mais velho. Não que os anos houvessem magicamente passado em uma noite, mas é que alguma coisa estava acontecendo, um amadurecimento ou coisa parecida, que o juízo colocava na sua mente para proveito.

Resolveu dar ouvidos à voz interna que sacudia qualquer preguiça. Pensou a respeito enquanto saboreava o delicioso café preto e um pão com manteiga.

Havia nele uma necessidade de amparar o velho que ainda seria. E na sua modesta concepção, que tenta colocar a vida sob controle, engendrou um plano que iria garantir que, no futuro, não existissem preocupações com contas a pagar ou com as sequências de refeições que seriam postas à mesa até uma idade bem avançada.

Seu pai, homem de sabedoria vivida, que chegaria aos 97 anos junto com sua bengala feita de raiz por ele próprio e que com ela partiria no ataúde e na alma, para a eterna morada do pai, era um prenuncio ainda desconhecido dessa relação que um homem de bem tem com a própria vida, fazendo acordos sem garantia.

Com estas ideias ainda gestando, com a vida acontecendo plena e cheia de surpresas, o que sempre traz esperanças a um bom cristão, o jovem Tião pôs os pés no mundo. Procurava o brilho precioso e dourado que brotava nos sertões mineiros. Passou por paisagens, conheceu cidades, pessoas e histórias- pessoas veem sempre carregadas de histórias- e foi assim, mergulhado nelas, da mesma maneira como ficava na beira dos rios, com sua bateia, revolvendo esperanças, que viveu parte de sua mocidade.

Foi em uma manhã, ao cabo de muitas andanças, que bateu a dúvida, depois da terceira mão de minério escuro, pródigo nas terras mineiras, sem um mínimo brilho dourado. A fé parece sempre ser testada no coração do homem e momentos difíceis e dolorosos não faltam para fazer disso uma verdade.

O Sebastião, que ainda nem era senhor, não conseguira conquistar até então o amparo para sua futura velhice. Tirava o sustento do dia a dia, juntava migalhas para pagar o pão para si e para a família. Olhou para o azul que se estendia além das águas do mutuca e chamou o senhor.

Pediu mais uma vez o amparo para a velhice e na esperança renovada enfiou mais uma vez a bateia bem fundo no cascalho. Olhou para cima e viu que algo boiava em sua direção, uma raiz bem forte, com uma ponta em forma de um jota invertido e uma empunhadura perfeita.

Lembrou-se do pai e sua bengala adorada que fora com ele para debaixo da terra. Ficou parado por um instante, comovido, suas águas misturando-se às águas do rio. Entendera o recado.

A história original me foi contada por um paciente muito especial que me mostrou a sua bengala feita de raiz e me ofereceu mais esta lição de vida que aqui compartilho. Será esta, talvez a sua última história contada, a riqueza de um homem prestes a reencontrar-se com o pai.

Marcelo FAS
Enviado por Marcelo FAS em 30/05/2012
Reeditado em 30/05/2012
Código do texto: T3695544
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