Encontrei no porta-luvas do carro do meu filho o romance Estranhos Perfumes, de Marie Darrieussecq, o qual, se bem me lembro, conta a história de uma mulher que se metamorfoseia em leitoa. Achei um tanto estranho e nada comentei quando devolvi o carro. No entanto, lembrei-me do caso da porca do Furriel, lugar da freguesia de Monte Sião, no município de igual denominação, onde o acaso engendrou, parece-me, uma bonita parábola do tempo em que vivemos.
Se eu mandasse alguma coisa, o caso da porca do Furriel havia de ser lido nas homilias de domingo. Como não mando, limito-me a imitar os apóstolos e a contar a história mais ou menos como a ouvi do Hugo Labegalini.
 Foi  assim: um certo Zico Louco tinha comprado uma porca  para sustento da casa. Planejou, pois, o abate, do qual haveria de resultar uma boa quantidade de lingüiças, torresmos e pelos menos dois presuntos de lei. A fêmea, porém, tinha sido anteriormente emprenhada. Dela nasceram quinze leitões, acrescentando bastante à depauperada economia daquela família. Antes do abate programado, os demais beneficiários do animal consideraram o caso e pareceu-lhes que talvez não fosse má ideia levar a porca ao cachaço, para ver se dali lhes vinha lucro ainda maior. E foi, pois, a porca posta ao porco varão, o qual, cumpridos os trâmites naturais, deixou-a  outra vez de esperanças. Nasceram-lhe, desta vez, vinte leitões. Como, porém, a porca dispõe apenas de catorze tetas, não era já capaz de amamentar todas as crias...
Quando o Hugo me contou o fato, influenciável como sou  pus-me a matutar no caso da porca. Pareceu-me, por exemplo, que a dita suína se assemelhava ao contribuinte do imposto de renda, cuja existência, se formos  ver bem, se justifica pela necessidade de alimentar o seu legítimo proprietário, o Estado. Este descobre, por um golpe do acaso, que a porca pode render muito mais do que o inicialmente esperado, sendo capaz de se reproduzir e de, assim, gerar mais e mais receitas, e, consequentemente, sustentar mais e mais gastos, assim sucessivamente até ao ponto em que a porca-contribuinte já não é capaz de alimentar as crias, por manifesta falta de tetas para tanta boca esfomeada refocilando nos restos gastos da depauperada suína.
Sendo apenas um caso mineiro da Mantiqueira, e não um caso escrito no livro sagrado, o episódio da porca do Furriel padece, porém, de um inconveniente desagradável. Ao contrário do que sucede nas parábolas da Bíblia, como em Lucas 13:11, não virá nenhum salvador pôr a mão sobre a fronte da economia depauperada, que anda curvada há muitos anos e não pode de modo algum endireitar-se. A porca já deu o que tinha para dar.