O Acerto de Contas e a Espingarda

O presente mais uma vez é inspirado na Obra de Joãozinho Giannasi. “Histórias que vivi e outras que me contaram”. Diz a Estória que um tal Capitão Juvêncio Honório da Costa filho, mulato de figura enigmática, apareceu ninguém sabe precisar de onde. O fato é que trouxe muito dinheiro e comprou muitas terras “pras bandas de Cardoso de Almeida, E.F.S.”, distante mais ou menos quatro léguas da Vila de Conceição do Monte Alegre. Tão logo tomou posse da fazenda trouxe consigo suas coisas e muita gente. Um contingente de fieis empregados e agregados que já haviam conseguido riqueza pro patrão, mas que viviam em estado de fartura e de harmonia absoluta. Só dinheiro é que raramente viam, mas tinham de tudo que precisavam. Não tinha família que não tivesse um filho batizado pelo Capitão Juvêncio e pela D. Aninha, esposa que ela havia escolhido à dedo entre as filhas de seus agregados. Especializou-se na criação de gado onde foi apurando raças e tornou-se referência no assunto na região. Todo criador que se prezava conhecia e sugeria a quem pudesse interessar, a Fazenda Potro Bravo, do Capitão Juvêncio.

A sede da Potro Bravo era palco de muitas festas e muitos banquetes, freqüentados por autoridades como Juízes de Direito, Delegados de Polícia, Prefeitos e outros mais, menos importantes.

Capitão Juvêncio era de uma personalidade excêntrica. Tratava todo mundo bem, independente do cargo ou função que ocupasse. Era comum saber que entre seus empregados, viviam foragidos da justiça aos quais dava guarida. “Fique sossegado qui ninguém vai tê corage de vim ti procurá dentro di minha casa”.

Os solteiros, que não eram poucos, moravam em alojamentos comuns e dotados de um certo conforto. Na hora do acerto de contas é que era diferente dos agregados que tinham família. Tudo era anotado em uma caderneta. Quando se puxava o saldo quase todo mundo devia. Ninguém reclamava porque não tinham coragem e nem a quem se queixar.

Certa feita um cerqueiro, solteiro, chamado Travasso, que trabalhara há mais de um ano, resolveu ir embora e pediu ao Capitão que acertasse sua conta. Foi um tal de zero engole zero, um que mata um, de três tira oito, etc.. Resultado: Tava devendo 350 Reis (mais ou menos equivalente a dez dias de serviço). “Num tem importância”, disse o benemérito. “Ainda te dou uma marrã (leitoa solteira), prucê cumessá tua vida”.

Travasso saiu com a incômoda carga num saco de estopa. Mais adiante, na casa de um caboclo, já cansado, achou negócio da marrã numa “espingarda de carregar prá boca”. Conversando consigo mesmo, achou melhor voltar e continuar trabalhando pro Capitão Juvêncio, onde tinha boa dormida e boa comida. Botou a espingarda nas costas e se mandou de volta. Chegando, o Capitão ao ver o camarada com a espingarda nas costas, foi logo adiantando: ” TRAVASSO QUI BÃO QUI UCÊ VORTÔ!!! MINHA CONTA TAVA ERRADA!!! EU É QUI TI DEVU 560 REIS”. (Oldack/11/10/010). Tel. (018) 3362 1477.

Oldack Mendes
Enviado por Oldack Mendes em 23/07/2012
Código do texto: T3793332
Classificação de conteúdo: seguro