O Casamento de Bastião
 
Era véspera de casamento, o casamento de Bastião, um sujeito muito querido em Santa Amélia, tão querido que seus amigos decidiram dar uma festa para ele, uma despedida de solteiro. Mas não pensem que ia ser uma daquelas festas cheias de mulher pelada dançando não, de forma alguma, a turma do Bastião tinha consciência, além do mais seria uma festa só de homem, com papo de homem e com muita bebida, churrasco, sinuca e brincadeiras.
Só que cismaram que cismaram que o padre Ferreira também deveria ser convidado, no início Vossa Santidade não aceitou, ele alegava que isso não combinava com o sacerdócio, mas ficaram a semana inteira insistindo que ele aceitou. E não deu outra, o clérigo não tomou nem cerveja nem cachaça, mas de vinho ele se fartou, o sangue de Cristo em excesso provocou a maior ressaca no vigário, ressaca tão forte que nem o mais preto dos cafés resolvia. Resultado: no dia do casamento não tinha quem celebrar a cerimônia e o padre mais perto estava a mais de um dia de viagem.
Bastião ficou desolado, sua noiva Filomena com certeza não iria perdoa-lo, onde já se viu levar um padre para a despedida de solteiro?
Mas foi que Armandinho, um amigo de Bastião apresentou a solução:
- Bastião, não esquenta não, eu vou vestir as roupas do padre e celebrar teu casamento.
- Você Armandinho? Mas desde quando você celebra casamentos?
- Se preocupa não Bastião, isso é fácil, eu já fui num monte de casamento, é só ler uma carta de São Paulo, perguntar umas coisinhas pro noivo e pra noiva e pedir para se beijaram. Deixa comigo, é moleza.
Sem alternativa Bastião aceitou a oferta, o único problema era que Armandinho também era conhecido por abusar da pinga, e só não se encontrava no mesmo estado que o padre por que seu fígado já castigado se acostumara aos efeitos do álcool. Mesmo assim ele não resistiu e, enquanto se preparava na igreja, assaltou o estoque do vinho paroquial e se fartou.
- Eitá que a vida de padre é boa, tem pão e bebida de graça, e ainda por cima é bebida abençoada!
Bastião chegou a igreja primeiro e foi direto a sacristia onde encontrou Armandinho de olhos vermelhos com um cálice de prata na mão.
- Meu Jesus Cristo! – bradou Bastião.
- Calma Bastião – murmurou Armandinho arrastando a voz – num é Nosso Senhor não, sou eu memo.
- Armandinho, a igreja tá cheia, a Filomena tá pra chegar, e você desse jeito. Ah meu Deus, acho que não me caso hoje não.
- Calma Bastião, eu tô bem – disse Armandinho, se levantando e quase caindo – vão bora, hoje tem casamento ou eu não me chama Armandinho.
Bastião levou as mãos a testa, realmente o nome dele não era Armandinho, esse era só apelido. Mas não havia tempo para mais nada, vieram avisar que a noiva estava na porta da igreja. Os amigos de Bastião ampararam Armandinho até o altar, as pessoas estranharam a ausência de padre Ferreira e alguns desconfiaram de Armandinho.
- Acho que conheço este padre – alguns perguntavam.
- Ara – diziam outros – vai ver você já assistiu missa dele em outra paróquia.
A marcha nupcial tocou, Bastião suava em bicas e tremia todo.
- Olha como o noivo fica nervoso – umas senhoras comentavam.
- Eu também senti a mesma coisa no meu casamento, as perna fica froxa – disse um senhor.
O pai de Filomena entregou a noiva para Bastião. Os dois olharam para o padre e Filomena estranhou:
- Cadê o padre Ferreira?
- O padre Ferreira foi inundado pelo Sangue de Cristo e hoje não pode estar conosco – respondeu Armandinho com um discurso tão notável que até surpreendeu e tranquilizou Bastião.
Depois disso ele começou a cerimônia.
- Bem queridos irmãos, estamos aqui hoje para unir Bastião e Filó... digo Sebastião e Filomena no sagrado matrimônio na presença de Deus e dos homens.
Bastião ficou encantado, num é que Armandinho tinha jeito para padre?
- Bem irmãos, este casal está aqui em nome do amor, devemos lembrar que o amor é o mais sublime dos sentimentos, e, como disse São Paulo de Tarso, o amor é paciente, e benzavejo...
Todos na igreja se assombraram com o discurso do novo padre.
- Tá muito melhor que padre Ferreira – cochichavam uns.
- Esse tinha que ser o padre da nossa paróquia – diziam outros.
Ao final da cerimônia, “Padre” Armandinho perguntou:
- Bastião, digo, Sebastião, aceita Filó...Filomena como sua legitima esposa?
- Sim – respondeu Bastião supersatisfeito com a atuação do amigo.
- E você Filomena, aceita Sebastião como sua legitimo marido?
- Sim – respondeu Filomena muito emocionada com tão bela cerimônia.
- Bem – falou Armandinho – para terminar, se tem aqui alguém contra essa união, que fale agora ou se cale para sempr...
- Parem! – alguém gritou no fundo da igreja.
Todos olharam assustados e deram de cara com padre Ferreira, vestido só de pijama, descalço e cambaleando a entrar no templo.
- Sô... Sou... sou eu quem de... deve fazer este casa... casamento – falava ele visivelmente ainda sobre o efeito do álcool.
Bastião tremeu dos pés a cabeça, era agora que seu casamento ia pro brejo. Filomena olhava tudo sem entender nada.
Armandinho surpreendentemente estava muito tranquilo e apenas disse:
- Padre Ferreira, sente-se por favor! – ordenou ele – Ora que vergonha, um padre aparecer na igreja de roupas intimas e ainda por cima com sinais de embriaguez? Agora fique quieto e deixe a cerimônia terminar antes que eu ligue para o bispo e denuncie sua conduta.
Para Ferreira ficou encabulado quando viu que todas as pessoas o olhavam com o olhar de reprovação, sem outra coisa a fazer ele apenas se sentou no último banco da igreja enquanto algumas pessoas ali já sentadas se afastavam dele e diziam:
- Que vergonha! Isso não é papel de padre.
A cerimônia seguiu sem maiores problemas, Bastião beijou Filomena e lhe prometeu amor eterno. Durante os cumprimentos todos queriam parabenizar o novo padre pelo excelente desempenho, mas ninguém o encontrou, até que Bastião lembrou de procurar na sacristia e encontrou seu amigo lá, mas ele não estava sozinho. Na verdade “padre” Armandinho e padre Ferreira estavam juntos deitados no chão, abraçados e com algumas garrafas de vinho na mão, Bastião os deixou ali, afinal os dois estavam inundados no Sangue de Cristo.

 
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Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 24/09/2012
Reeditado em 25/09/2012
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