CHIQUINHA MORTEIRA

A história de hoje precisa de algumas explicações anteriores que passo a fazer.

Antigamente, era muito comum os partos acontecerem com a ajuda das “parteiras”, pessoas abnegadas que faziam esse trabalho nas residências das parturientes, muitas vezes voluntariamente, ajudando a trazer ao mundo, milhares de crianças. Vale dizer que, nos anos 40 (quarenta) década em que nasci, quando as mulheres viam que estava na hora do bebê nascer, imediatamente chamavam as parteiras, que, imediatamente vinham para ajudar a dar a “Luz” a mais uma criança. Eu mesmo nasci com a ajuda de uma parteira. Houve parteiras que fizeram milhares de partos, todos bem sucedidos. É preciso ressaltar que, naquela época, não haviam muitos médicos à disposição da população, bem como não haviam planos de saúde, e muito menos se cogitava na existência do “SUS”. Assim, o socorro das famílias na hora da criança nascer era chamar a parteira. Bem, mas qual seria a definição de “Parteira”? Do dicionário Aurélio temos que: Substantivo feminino: Mulher que, sem ser médica, assiste a parto, ajudando ou socorrendo parturiente. As parteiras de antigamente não tinham formação. Aprendiam com outras parteiras experientes e, assim, iam se multiplicando nessa nobre missão de trazer à luz uma nova vida. Posteriormente, as universidades começaram a dar formação para que, quem tivesse vocação para ser parteira, fossem qualificadas para tal atividade. No Brasil, as parteiras com formação universitária são profissionais graduadas em enfermagem com curso de pós-graduação em obstetrícia. Os cursos de especialização em obstetrícia têm seu conteúdo voltado para a fisiologia da gravidez e do parto. Os profissionais com esta formação são também habilitados a identificar situações de risco que necessitem de cuidados específicos na gestação, parto, pós-parto e assistência ao recém-nascido. Atualmente no Brasil, seguindo uma tendência mundial de resgate da atuação de parteiras e ampliação da atuação destes profissionais, a Universidade de São Paulo (USP) iniciou em 2005 um novo curso em obstetrícia com o objetivo de formar parteiras no nível de graduação. O Conselho Federal de Medicina (CFM), a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia sustentam a posição de que o parto sempre requer assistência e presença de um médico. Oficialmente, o Ministério da Saúde não reconhece a profissão, mas entende que, nas regiões Norte e Nordeste, as parteiras são uma realidade secular. Por essa razão, o Ministério tem a intenção de orientar e capacitar essas pessoas, tentando reduzir a mortalidade infantil e neonatal.

Feitos esses esclarecimentos, deixo aqui, as minhas homenagens a essas profissionais que tanto bem fizeram a tantas pessoas, muitas vezes graciosamente, somente pelo prazer de ver uma nova vida ganhar a “Luz”. Da mesma forma que homenageio in memorian a parteira que fez o meu parto, no dia 21 de julho de 1946, na cidade de Ribeiro dos Santos/SP (Distrito de Olímpia), da qual não sei o nome, mas onde quer que ela esteja, em um plano espiritual superior, saberá desta homenagem.

Bem, passemos agora à estória que vou contar.

Meu avô era um emérito contador de causos. Certa vez ele contou-me o causo que passo a narrar. Se era verdadeiro, ou não, somente ele poderia dizer, mas, como ele também já se foi, há algum tempo, essa questão ficará sem resposta. Estou contando conforme ouvi. Da mesma forma que existiam as parteiras para ajudar a dar a luz às crianças que nasciam, também haviam pessoas que ajudavam as pessoas a morrerem. Estranho? Não! Isso acontecia muito, pelos sertões deste Brasil. Quando a criança está para nascer a mãe entra em serviço de parto. Quando a pessoa está para passar desta pra outra, entra em serviço de óbito. Muitas vezes, em lugares ermos, as pessoas acometidas por alguma doença incurável, com falta de recursos médicos, de medicamentos que pudessem aliviar suas dores e sofrimentos, iam se definhando e acabavam morrendo. Acontece que essa agonia da morte, às vezes, duravam dias, e a família toda participando daquele sofrimento. Aí é que entrava em cena a figura que meu avô dizia ser de pessoas que ajudavam as outras a morrerem. No bom sentido, é claro! Por falta de outro nome, que já pesquisei e não encontrei em nenhum dicionário, ao contrário de parteira, vou chamar de “morteira”. Costumava-se usar a prática de colocar uma vela acesa na mão do moribundo, para que na hora do “suspiro final” a chama daquela vela iluminasse seu caminho. Assim, os ajudantes colocavam a vela na mão do moribundo e, ao mesmo tempo, botavam o joelho no seu peito e diziam: “Tenha fé, meu irmão, que agora você vai”. E na maioria dos casos iam mesmo. E assim, enquanto as parteiras continuavam a ajudar crianças a nascer, as morteiras ajudavam as pessoas a morrer.

Dentre essas pessoas tinha uma que vamos chamar de “Chiquinha morteira”. E como o tempo também passou para ela, chegou à velhice, fraca, alquebrada, esquálida, e certo dia adoeceu e ficou prostrada numa cama. E não é que a danada teimava em não morrer!

Estava agonizando já por vários dias e nada de morrer! Aí, uma de suas amigas lembrando-se das atividades de Dona Chiquinha Morteira, saiu-se com esta: __ Vamos chamar alguém para ajudar Dona Chiquinha passar desta pra outra. Acabar com seu sofrimento! Dito e feito. Foram atrás de outra morteira. A mulher chegando, vendo o estado de sua amiga e companheira de ofício, foi logo pedindo. ___ Me tragam uma vela! Mas por mais que procurassem, não encontraram uma vela sequer na casa de Dona Chiquinha. Foi nessa hora que um “espírito de porco” sugeriu: __ Na falta de vela pega uma brasa acesa! Foram até fogão de lenha, que estava aceso por causa do café que era servido às pessoas que estavam velando e acompanhando o final da vida de Dona Chiquinha, e trouxeram uma brasa bem grande e viva. A danada da brasa era capaz de iluminar um quarto escuro. Ato seguinte, a morteira botou a brasa na mão de Dona Chiquinha, botou o joelho no seu peito e disse: ___ Tenha fé, amiga! Que agora você vai! Dona Chiquinha, abriu os olhos, viu aquela cena e disse suas últimas palavras: __ É... morrendo... e... aprendendo...!!!

Daniel L Oliveira - Ilha Solteira/SP - 27/10/2012

Daniel L Oliveira
Enviado por Daniel L Oliveira em 27/10/2012
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