SAUDADES DE MINAS...




 


Subi no alto da serra pra ver meu amor passar. Passou carros, caminhões, carroças, cavalos,
bicicletas, carros-de-boi... Puta que o pariu que movimento danado! Mas meu amor não
passou. Desci e fui até sua casa.
 
Janelas grandes de madeira, vitrais coloridos,portas imensas também de madeira pintadas
de azul e paredes brancas. Calçada de pedra mineira, tão verde que parecia um gramado!
 
Atendeu-me à janela batendo um bolo-de-fubá.
 
O forno à lenha aceso com seu cheiro, hora de lenha queimando, hora de delícias imaginárias,
estava aguardando!
 
-Não pude ir, minha mãe pediu este bolo pra merenda...
 
-Não tem problema, depois iremos até lá ver as nuvens, os pássaros, a cachoeira...
 
-Cê fica pra merendar? Papai tá chegando da roça e não gosta que eu fique na janela.
 
-Claro que fico, teu bolo tá tão cheiroso, que num tô nem sentindo teu perfume...
 
-Mentiroso! Ainda estou sovando, se tiver cheiro de alguma coisa aqui é cheiro de ovo caipira!
Entra que tô indo abrir a porta.
 
Sala grande, pé direito pra mais de três metros de altura, forro de madeira, piso de lajota
portuguesa, portas só as de fora, nos quartos e banheiro, todas com tramelas. Na cozinha,
azulejos bordados até o meio das paredes, uma mesa de madeira com dois bancos, um de
cada lado que dava prá sentar prá mais de vinte pessoas! No canto fogão á lenha, em cima
dele um varal com carnes salgadas, linguiças, chouriços,queijos curados e outras iguarias.
 
Na outra parede uma cristaleira com o aparelho de jantar e faqueiro, ao lado uma estante de
madeira com doces em compotas, latas com as quitandas prá semana, outras cheias de carne
conservada na banha de porco, vidros com conservas e pimentas de todas as cores e sabores e
não podiam faltar os sacos de arroz, feijão e farinha.
 
Na pia muito grande, num canto verduras e legumes, ovos do outro lado .Embaixo as panelas
do dia-a-dia, porque os tachos de cobre, areados com limão china, vermelhinhos, ficavam
pendurados em um varal.
 
-Menino, pega uma xícara, tem café no bule e ele tá no fogo, tá novinho, meu véio torrou ele
ontem na tuia, ta muito bom e oce é de casa. Depois senta aí prá prosear um pouco, até o
bolo ficar pronto. Ce tá com fome? Pega pão de queijo, bolacha de nata, rosca, o que quiser,
tá na lata do meio...
 
-Brigado, to não, vou esperar o bolo. Seu Zé moeu o milho no moinho da roça ou comprou
fubá pronto na venda?
 
-Uai sô, ce acha que meu pai ia comprar fubá com o tantão de milho que ele plantou? Tem
milho prás galinhas, prás vacas, pros porcos e prá nóis...
 
-Eu sei . Semana prá trás, seu pai me deu uma abóbora, fiz doce, ficou bão demais, será que
tem mais?
 
-Deve ter, ele plantou muito, prá tratar de porco, depois ce pergunta prele...
 
Pensei comigo:
 
Tratar de porco? Deixa pra lá...
 
Seu Zé chegou sujo da roça, deu um beijo na testa da filha, um beijo na dona sinhana e um
BASTARDI , pro resto do povo. Sentou na minha frente e D. Sinhana já trouxe o litro de pinga
e um copo, e a funcionária uma taça e o licor de fruta, de jabuticaba, e perguntou:
 
-Seu Zé, quer um pedacinho do frango do almoço prá aperitivo?
 
-Se tiver miúdos e pele eu quero.
 
D. Sinhana sabendo das preferências do marido, tinha apartado antes de servir o almoço e
guardado em um caldeirão separado, prá agradar seu véio.
 
-Então, este namoro eu tenho gosto. Sai ou nun sai este casório? Num enrola, porque depois
a menina encalha e passa do tempo...
 
Seu Zé, de um só gole, sorveu meio copo de pinga e me passou a garrafa. Comeu o
coraçãozinho do frango sem tirar os olhos de mim! Gelei, mas seu Zé era homem dos Bão, dos
mió que existia! Servi um gole no copo ainda com café, virou uma narquia, ele riu e D.Sinhana
pediu um outro copo prá mim. Me servi e de um gole só tomei dois dedos de pinga.
 
-Pinga boa! Eu que fiz, moí a cana, cozinhei, curti e destilei lá na roça.
 
Meu amor mais vermelho que um tomate, muda, paralisada, com o bolo quente na mão!
 
-Fia! Põe este trem na mesa antes que te queime, e Zé! Deixe os meninos em paz, vão casar,
mais vai ser na hora deles...
 
Tenho saudades de Minas!
 
Das suas mulheres de pernas grossas por correr atrás de queijo na ladeira! Sua objetividade,
seus causos e seu povo bão...
Cesão
Enviado por Cesão em 01/11/2012
Reeditado em 01/11/2012
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