A praga da Madrinha Calêndua


Quem leu o “causo” O Filtro do Sonho do Gato, talvez se lembre de Dona Calêndua, a madrinha que presenteou a afilhada Vicênça com um Filtro de Sonhos, que o gato chamado Vermêio, comeu.
Pois bem, Dona Calêndua, vendo seu presente estraçaiado, lançou uma praga ao gato:
- “tumara que tu vire um urubu”! Coitado do Vermêio, que no final das contas acabou comendo penas por manjar.
Mas esse causo começa aqui: Estava um belo dia de sol, depois de uma não menos bela noite de lua cheia e branca, daquelas que parece um “bolachão de água e sar lá em cima” no palavreado das pessoa do “locar” onde morava Dona Calêndua. A noite estava fresquinha de dá gosto; um ventinho suave, mas ousado acarinhava as pernas das moças solteiras, casadas, viúvas e amancebadas. E elas gostavam, ora bolas! A idéia partiu de quem? De dona Calendua, tia da Vicênça, a Dona do Vermêio, afinal de contas ela era casada, “mai, -como segredava às amigas-, o marido num cumparecia”
- Gente, a noite tá um favo de mer dabeia de boa e fresca; qui tar nóis i dar umas vorta lá no terreiro dos índio e apreciá as dança? Todas as amigas toparam, afinal, sair com Calêndua, a benzedeira, a que entendia das coisas da noite, da mata, das rezas, era coisa segura, ninguém seria ousado o bastante para “por zóio grande” no passeio nem “fartá cum respetho às muiés”. Iam andando e cantando canção popular:

Em noite de lua cheia
Quando o céu fica branco
E o vento quer brincar

Mulher não olha prá trás
Marido não está por perto
Então vamos aproveitar

Aproveitar, aproveitar
Brincar, brincar,
Dançar, dançar

Namorar, namorar
Na noite de lua cheia
Quando o céu branquear...

E lá iam elas, alegrinhas, contentes, espevitadas, carentes. Dona Calendua lembra: - nóis bem qui podia mandá um recado pra minha afiada Vicênça encontrá nóis... - É mermo, concordaram. Vamo pedir pro Craudio levar o recado. Recado dado e o Cráudio desembestou para buscar Vicênça.
As mulheres já estavam na taba num bom entretimento com os índios enfeitados, pintados, de sunguinha, quase nus. A sunguinha era só modernismo. A seca castigava e eles ensaiavam a dança para pedir prá Tupã mandar água. As mulheres indígenas só de soslaio, espiando as intrusas... Finalmente chega Vicênça. Uma alegria só, “agora é que vai ser boa! Vicência é animada que só mermo ela, disse a madrinha”.
Os chocalhos balançavam, cheios de contas, balangandãs e penas coloridas; na cintura dos homens, penas por toda a volta, pulseira nos braços, colar pendurado, cocar emplumado, era pena que não acabava mais. Mas... Aonde a dona vai, o bicho vai atrás. E com Vermêio não era diferente. Olha ele lá no meio da roda, doidinho!! Os índios no hu! Hu! Hu! E o gato miaaauuuu... miaauuuu... e vupt!! Salta em um e em outro. Haja pena para puxar.
De repente, não é que a praga antiga da dona Calêndua pegou mesmo? A lua foi crescendo, crescendo, ficou do tamanho de uma lona de circo; o gato foi inchando, os pelos caindo e PLUFT! Apareceu na cabeça uma crista grande, vermelho e preto enquanto o corpo ia sendo coberto por penas pretas e luzidias; as patas, pareciam patas de... Isso! Urubu! Vermêio transformou-se em um Urubu!
As mulheres a correr, os índios a dançar e o urubu a voar, voar, voar... Vicênça a chorar e Calêndua a confirmar: -- Eu nundisse? O gato distruiu o firtro dos sonho, agora é urubu!
E assim acabou o causo do gato que virou urubu no meio de uma dança cerimonial para chegar a chuva.