RASTILHO DE PÓLVORA

Seu João morava na comunidade do Passo do Frei. Lugar que ganhou tal nome devido outrora ser o caminho utilizado por um Frei para chegar até o outro lado do arroio que fazia divisa com uma cidade vizinha.

Pode-se dizer que o Passo do Frei é um lugar bucólico, composto por agricultores donos de pequenas propriedades, que predominam naquelas terras. Um pouco de imigrantes, misturados aos pêlos duros do local, em comum, gente, que por uma vida inteira lutaram para conquistar o pouco que tinham. Mas também havia espaço para mineração, já que o solo era rico em caulim e barro refratário. Era justamente a mineração que leva mais movimento à região, com a movimentação das máquinas e caminhões que transitavam pelas estradas. A sede da comunidade ficava há uns dois quilômetros da casa do falecido João.

Não eram muitas casas, mas havia espaço para um pequeno boteco, uma escolinha que há uns dois anos fora fechada pela prefeitura que achou mais cômodo levar os alunos para a cidade. Mas o principal ponto de encontro era o pavilhão ao lado da igreja construída de maneira artesanal, em cima de barro e de pedra, e erguida pelos braços do próprio povo da comunidade há uns sessenta anos atrás. Ali na igreja o Padre ia uma vez por mês rezar a missa, não sem antes receber a taxa de reza. Ao lado da Igreja ficava o pavilhão comunitário, local onde se faziam as festas e os encontros da comunidade. No domingo ficava movimentado por causa do campo de futebol que tinha ao lado, quase toda semana o Passo do Frei Esporte Clube enfrentava algum time visitante. Normalmente vindos de outras cidades. Aliás, apaixonado pelo Esporte Seu João foi um dos fundadores do Time.

Na comunidade Seu João era um senhor muito querido, seu Fusca verde militar ano setenta e dois estava sempre a posto para ajudar seus amigos. Por ser uma comunidade mais carente e distante das mãos do poder público na maioria das vezes o fuscão do João Faustino é que fazia às vezes de ambulância.

O Fusca era a relíquia do Seu João, foi o primeiro carro que comprou, e o único. Dele jamais se desfez. Até que suas posses lhe permitiam comprar um carro mais novo, porém não. O fusca jamais. Todo o sábado podiam saber, lá pelas quatro horas vinha o fusca e a bordo no volante Seu João Faustino, louco por uma partida de bocha na cancha do Ramiro.

Por isso seus vizinhos estranharam a movimentação aquela hora da noite do Sítio do João. Dona Antonieta resistiu à chegada de Maria Eduarda e do Doutor Gilberto, mas ao ver o carro do Padre, e a Funerária calçou suas botas, se cobriu com um xale e caminhou uns quinhentos metro até chegar na casa de Seu João. Ao saber da notícia se mostrou sentida com a perda, mas logo deu de jeito para ir avisar o Polaco, seu esposo, que já estava na cama. No caminho passou pelo Joca que há pouco saíra do banho, e ia a cavalo “bater o ponto” na venda do Seu Ramiro. – Seu Joca, o Senhor não sabe o que aconteceu! O “véio” João Faustino acabou de bater as “cachuleta”. Disse a senhora, gorda de tanta polenta. – Mas não me dê uma notícia desta Dona Antonieta. Retrucou o Joca.

O gaudério seguiu caminho até a venda, onde deu tempo de comunicar o fato ao Seu Ponciano, ao Orestes e a Dona Vilma. Mas foi na venda que encontrou grande parte dos homens da comunidade, que aproveitavam o “martelinho” para arrefecer o frio do inverno. Dali todo o Passo do Frei ficou sabendo da partida do velho João Faustino. A notícia já corria feito rastilho de pólvora.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 16/03/2007
Código do texto: T414645
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