“Casa de ferreiro e espeto de pau!”

Em meio a verdes campos morava Neto. Sujeito simples, beirando seus quarenta anos de quase solidão, só não chegava a tanto porque era uma criatura do bem, serviçal, e por assim dizer, fazia de sua humilde casa local de guarida para os que procuravam abrigo quando andavam por aquelas bandas.

Grandes carros de bois, a cada dois meses, traziam-lhe mantimentos que serviam para sua subsistência e também para, naquela espécie de bolicho improvisado, matar a fome e a sede de homens e cavalos exaustos da campereada.

Criava solto no pasto, não mais que uma dúzia de bichos que carneava raramente e em situações muito especiais. Dizia-se até que tinha um apego exagerado pelos animais, o que dificultava na escolha de qual sacrificar, quando preciso.

Por força da necessidade, surgiu em Neto a habilidade em ferrar cavalos. Começou meio sem jeito, improvisando daqui e dali no seu companheiro de quatro patas e pelo bem escovado - depois, nos animais do compadre, dono de bons hectares de terra a poucas léguas da sua. Tomou gosto pela arte e fazia disso um passatempo, forjando o ferro naquele fogo vivo; criando ferraduras, algumas ferramentas e até armas.

Numa madrugada de inverno, além do uivo do minuano, ouviu o latido dos cuscos, num sinal já bem conhecido avisando que estranhos se aproximavam. Tirou uma perna de cada vez debaixo do pelego, vestiu sua campeira e tascou o ponche por cima, além do velho chapéu na cabeça; botou a chaleira sobre o fogo que ainda ardia e preparou o mate. Depois, foi só esperar aqueles infelizes que deviam estar tiritando de frio.

Não demorou e os viventes atravessaram a porteira com largas gargalhadas, e aos berros, chamando por Neto - já estavam acostumados e, por isso, também faziam um agrado ao dono da casa. Traziam-lhe algumas preciosidades muito bem vindas; eram garrafas de cachaça procedentes do alambique do João Romão, criatura conhecida em toda região por produzir aquele líquido precioso, meio azulado. Traziam, também, fumo em rama e livros de papel pra fazer enroladinho de cheiro gostoso e que fazia menos mal que uns tais manufaturados vendidos na cidade.

Em seguida, estavam todos em volta do fogo contando causos de suas andanças, principalmente os que se referiam as raparigas, que de tanto cruzarem seus caminhos, já eram quase da família.

Em dado momento, e ignorando a hora, um deles abriu uma bolsa de couro que havia retirado do lombo de seu cavalo, pegou uma meia ovelha que estava embrulhada num saco de farinha, sugerindo, de imediato, que se colocasse para assar.

Neto que não mais se surpreendia quando se tratava desses amigos, sabia que a ele, por ser o dono da casa, caberia a honra de produzir o feito e servir aos convidados. Foi quando repararam que não havia espetos. Neto, muito ágil, fazia pontas em pedaços de bambu e prontamente espetava em pedaços da carne que logo iam ao fogo.

Foi uma risada geral quando um deles disse:

Como pode, Neto?

“Casa de ferreiro e espeto de pau?”