O TEMPO NÃO PASSOU..

Ao ler a Revolta dos Defuntos, escrito pela Poetisa Agla, veio à tona em minha memória algo que me deixou assustado, mas me fez sentir que o tempo não passou. Certa madrugada, curtindo o frio numa casa de sítio, sentado à beira de um fogão à lenha, aquele cheiro de fumaça impregnando o casaco já meio tosquiado, fez-me abrir outra garrafa de vinho tinto tentando me aquecer. Uma sapecada de pinhão servia de tira-gosto. Mas, de repente, sai das chamas do fogo ardente uma figura que não me era estranha, mesmo que lhe faltasse os dentes. Era a finada Izabel, paixão da minha infância, guria muito assanhada, conhecida em toda estância. Com os olhos esbugalhados, fixo me olhava, me fez um sinal, curvando o dedo indicador, para que a acompanhasse naquela dança frenética provocada pelas labaredas que crepitavam no ar. Hesitei por alguns segundos. Um turbilhão de lembranças levaram-me ao tempo de infância. Corri lavar o rosto com água fria, joguei fora o resto do vinho e um balde d'água no fogo; enrosquei-me por baixo do edredom; o sono não vinha, o frio corria por minha espinha. Fui até à janela e vi que no sítio vizinho havia luz. Corri até lá. Em casa só a Aninha, uma amiga de infância que me convidou a entrar. Um cheiro de alfazema dava o tom naquela atmosfera romântica que revestia seu lar, iluminado por uma tênue luz de lamparina pendurada sobre um tipo de altar. Recuperei o fôlego e contei-lhe meu causo. Surpresa com meu relato, revela que o mesmo com ela havia se passado. Só que ao invés da assanhada Izabel, era o galinha do Tonico, guri "medonho" pegava tudo que se mexia, de cabrita à mulher do vigia. A madrugada estava tão fria que nem notamos que só havia um edredom pra compartilhar. Nem vimos o sol se levantar, foram tantas as lembranças que me senti mais novo, e uma baita vontade de aproveitar, enquanto o tempo resistia para não avançar, fomos muito além do sol raiar.

Raio Eterno
Enviado por Raio Eterno em 08/08/2013
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