Os moradores mais antigos da região ainda contam histórias dos três filhos do Coronel Tibúrcio. Aqui na Vendinha, dois nunca apareceram, mas, o do meio, Juvenal, às vezes aparece para um dedo de prosa. Apesar de grande produtor, homem rico, com trânsito nas mais altas rodas do Estado, é pessoa muito simples que fica à vontade entre a peonada, se arriscando, até mesmo, numa mesa de truco.
                Contam meus vizinhos que, quando o Coronel estava à beira da morte mandou chamar os filhos a seu pé, para uma última conversa e, fazer ainda em vida, a divisão de seus bens. Conhecedor que era das virtudes e defeitos de cada um, o Coronel estava preocupado com o destino do patrimônio que construíra a tão duras penas.
                Jose Roberto, o mais velho, e Jurandir, o caçula, haviam se formado doutor. Jurandir era advogado e Jose Roberto, engenheiro. O filho do meio, Juvenal, que sempre estivera envolvido com as coisas da fazenda, acompanhando o pai na labuta diária, mal completou o ensino médio. Era ele quem tudo sabia dos negócios do velho Coronel. A fazenda, uma imensidão de terras que se espalhavam desde o Vale do Rio Grande até muito longe no Cerrado Mineiro, se dividia em duas áreas de tamanho semelhantes. As terras do Vale, um pouco menores, apesar de acidentadas, eram de cultura. Por isso, consideradas, na época, as melhores e mais valiosas. Já a outra parte, composta pelas terras do Cerrado, apesar de maior, plana e fértil, era considerada de baixo valor, devido à acidez natural de seu solo. Contudo o patrimônio do Coronel não se restringia à fazenda. Havia o gado, milhares de rezes, e, os imóveis na cidade.
                Pela Lei, a sede caberia a Jurandir, o caçula. Não havia como mudar isso. O Velho, então, direto como sempre, começou por ai:
                — A sede da fazenda, metade das terras do Vale, mais a metade do gado, as duas casas da Avenida e um terço do dinheiro ficam com Jurandir. A outra metade das terras do vale, mais o restante do gado, um terço do dinheiro e as casas da Praça, ficam com Jose.  O Retiro do Cerrado, o outro terço do dinheiro mais o conteúdo deste cofre, ficam com Juvenal.
                 Tibúrcio concluiu a partilha e nenhum dos filhos questionou sua decisão, apesar de não saberem o que havia no cofre, que permaneceu no mesmo lugar em que estava. Não devia ser muita coisa, a julgar pelo tamanho reduzido.
                Dias depois a família estava reunida novamente. Desta feita, para o velório do Coronel. Passados os funerais, que ocorreram com pompa e circunstâncias, Juvenal, que na ocasião da partilha, por respeito ao pai, não tocara no cofre que lhe coubera, agora, depois de abri-lo, sentia-se decepcionado com o conteúdo: Uma espiga de milho, da qual haviam sido retirados os grãos das extremidades, numa clara alusão de que os restantes deveriam ser utilizados como semente. Juvenal remoia inconformado, a injustiça do pai: Por que o velho fizera aquilo? Repartir as terras mais valiosas da fazenda, todo o gado e ainda os imóveis urbanos entre os irmãos, sendo que, enquanto ele, Juvenal, ralava na companhia do pai, os dois viviam a boa vida de janotas na cidade e agora, depois de tudo, saiam com a melhor parte da herança! 
               Entretanto Juvenal não era homem de esmorecer. Se o pai fizera assim, era porque tinha uma razão de ser. E tinha!
              — Terra é terra! — dizia o velho Coronel, tentando fazer os filhos entender o valor da propriedade. — O gado acaba o dinheiro a gente perde e até uma casa pode cair, mas terra é terra! Nada tira seu valor!
                Assim que o inventário foi concluído, Juvenal fixou residência no Retiro do Cerrado e os irmãos, como era de se esperar, continuaram a curtir a vida urbana, sem se preocuparem com o patrimônio. Para sustentar a vida suntuosa e desregrada, gastaram toda a herança, venderam o gado e quando o dinheiro acabou, venderam, também, os imóveis da cidade.  Enquanto isso, Juvenal se esforçava para domesticar suas terras. Sofreu muito até que, certo dia, chegaram uns Agrônomos do Governo e lhe contaram sobre tal calcário, que, se jogado na terra, tinha a propriedade de amansa-la. Ele, então, resolveu experimentar. Logo percebeu que precisaria de uma máquina, de que, também, já ouvira falar — o trator. Comprou um! Deu certo. Seguindo as orientações dos técnicos, Juvenal foi aos poucos consertando seu quinhão. O gadinho mirrado, pela deficiência da pastagem, reagiu e já podia ser contado aos milhares. Se o pai lhe deixara as terras tidas por todos como as piores da antiga fazenda, também lhe compensara com a extensão delas. Tinha terra suficiente para alimentar todo o rebanho e ainda sobrava muita.
                 Numa tarde de chuva fina, o pecuarista, sentado à varanda do Retiro, apreciava o verde da paisagem, quando se lembrou da espiga de milho, que ainda estava no cofre. Achou que era hora de iniciar uma lavoura. Plantou as sementes e a terra, corrigida e bem preparada, foi generosa, surpreendendo-o com o volume da produção. Além de pecuarista, Juvenal se tornou, também, um grande produtor de grãos. O Retiro do Cerrado, um local afastado, que ganhou esse nome por suas terras serem tidas como fracas, agora, no rol das propriedades mais produtivas do Estado, se chama Fazenda Coronel Tibúrcio, em homenagem ao pai.
                A propósito, estou contando esta história, porque Juvenal esteve na Vendinha da Grota na tarde de ontem, e, comentou a boca pequena, que os irmãos estiveram em comissão, em sua casa na fazenda, para pedir ajuda financeira para um empreendimento que estão planejando, como tentativa de se reerguerem. É certo que Juvenal não lhes negará a segunda chance. O velho Tibúrcio enxergava longe.