JOÃO BELIZÁRIO – MATANÇA PATRIÓTICA

(REPUBLICADO COM OUTRO TÍTULO)

- Menino! Venha cá.

Lourenço, levantou os olhos e viu um cavalo negro com cela escura sem nenhum brilho e a carabina papo amarelo cruzada na cabeça do arreio, isto era suficiente para identificar o cavaleiro. Sem titubear obedeceu a ordem. Sabia muito bem o que poderia acontecer se não o fizesse.

João Belizário com sua indumentária completa nunca ficava desapercebido e sem ela sempre despercebido.

João Belizário, lendas, fatos, verdades e folclore tudo misturado como um purê de batatas, impossível de separá-las novamente e individualizá-las.

JOÃO BELIZÁRIO - MISSÃO TROPEIRO DO EXÉRCITO

Devido à morte dos muladeiros em que João Belizário começou a acumular bens, a polícia de São Paulo e Minas Gerais começaram a enxergá-lo como um meliante, embora deste crime não houvesse provas que fosse cometido por ele. Com as duas policias dos Estados atrás dele, o Coronel Vieira que o tinha como mensageiro, Coronel com patente da Força Pública de Minas Gerais na época da Revolução de 1932 pela Constituição, chamou-o para uma conversa.

- João, você precisa dar um tempo por aqui e quero você numa missão importante, não para mim, mas para o Exército Brasileiro. Vamos aproveitar para você sair de circulação, pois as polícias estão querendo te prender ou te eliminar.

- Seu Coronel, quanto a isso não se preocupe, dou meus pulos.

- Sei que você não se deixa prender João, mas vamos à missão. O exército sabedor que nesta região temos muitos criadores de burros me pediram para eu realizar a compra de cerca de uma centena de burros e mulas para movimentar máquinas de guerra contra os paulistas. Sei que você entende muito disto e é negociador destes animais, quero que ajunte o mais rápido possível esta tropa.

- Seu Coronel, aqui não há grande dificuldade de rapidamente juntar esta quantidade de animais, mas precisamos de dinheiro, principalmente pela minha fama que corre nestas paradas. Todos gostariam de receber a vista. Aqui é Minas Gerais.

-João, eu vou falar com os Generais, você sabe que estes animais são para puxar máquinas de guerras e carroções, não há necessidade de animais especiais. Qual o preço de cada cabeça?

- Não deve ser muito, Coronel, ainda vou usar o argumento que é uma questão de guerra, patriotismo, mas por garantia vamos pedir um pouco mais, pois terei minhas despesas de viagem, certo?

- Tá certo João. Levante o valor, que preciso telegrafar, a necessidade urge.

Para João o valor necessário já estava na cabeça, a comercialização destes animais era a sua segunda profissão, mas precisava organizar uma comitiva, já pensou em seu Vito e no menino Lourenço, era suficiente. Não havia necessidade de fazer boia, pois viajaria entre criadores e esta seria servidas por eles.

Outra preocupação era os valores a serem transportados, teria que armar os companheiros, mas o nome do João Belizário como chefe desta comitiva já era um seguro implícito.

Interessante que João era considerado um meliante, como matador de aluguel, mas o Coronel Vieira confiava muito nele com relação a segurança do dinheiro do governo.

No dia seguinte João estava preparado, o valor informado ao Coronel e já repassado aos Generais, só faltava a chegada do dinheiro para a compra dos muares.

A ideia era iniciar a compra na região de Extrema e seguir adquirindo animais em direção a 4ª Região Militar instalada em Juiz de Fora - MG onde deveria ser entregue a tropa. Seria uma viagem de cerca de 60 léguas, com mais ou menos 20 dias só de marcha, mais o tempo de negociação, um mês de viagem se nada de anormal ocorresse no caminho.

No primeiro dia, com os primeiros raios de sol despontando, os três começaram a fazer rastro em direção a sua missão, depois de 3 horas de caminhada, chegam a uma fazenda que continha tropa para negócios. João se apresenta como comprador credenciado do Exército e fala que queria comprar mulas e burros, pede para reunir os animais a venda. Enquanto os peões vão para o pasto o fazendeiro chama os visitantes para se refrescarem em baixo de uma grande paineira.

João vai preparando o terreno para comprar os animais abaixo do valor de mercado. Começa o ritual de negociação mineiro.

-Então seu Manoel, o Exército está tendo uma grande despesa com esta revolução contra os paulistas. Vocês ficaram sabendo da ponte explodida em Passa Quatro pelos paulistas?

- Ficamos não, aqui neste cafundó temos poucas noticias, seu João.

- E da maldade que fizeram com o fazendeiro que não quis cooperar com os paulistas aqui em Minas?

- Também não seu João. Onde é que foi isto?

- Não foi muito longe daqui não, seu moço? Estou até preocupado em encontrá-los no caminho.- João pede água para eles e para os animais, seu Manoel chama o caseiro que toma as devidas providências e também manda recado para a cozinha aumentar a água no feijão.

- Seu Manoel faz tempo que não chove, o pasto está fraco, não é?

- Nem tanto seu João, e ainda tenho bastante milho na tulha que dá para o gasto até a próxima safra.

Um querendo dar a entender que o outro precisava vender os animais por falta de pasto, assim conseguiria um melhor preço. E, o outro dando a contra resposta dizendo que não estava desguarnecido de comida para os animais, não precisava vender no desespero.

- O General lá de Juiz de Fora pediu para vocês levarem em consideração o patriotismo e não salgarem o preço, é um esforço de guerra, seu Manoel?

- Pois é uma guerra contra os nossos irmãos, os paulistas, não é seu João? Eles também são patriotas.

- Seu Manoel, estes animais são para tração, não quero animal de luxo, mas tem que ser forte e saudável e o preço de guerra, está certo?

- Seu João, o senhor sabe que na guerra tudo sobe de preço, não sabe?

- Seu Manoel, o senhor não vai querer os paulistas na sua Fazenda confiscando tudo, maltratando seus colonos, fazendo mal para as suas meninas, com certeza que não vai querer.

A tropa chegou, eles se encaminharam para o curral, cerca de 30 muares para venda. João separou os mais fortes, mas no meio dos outros verificou uma mula linda de passo picado, mandou separar também.

Como bom negociador, João perguntou: - Qual o preço de um pelo outro?

- Olha, seu João considerando que o senhor pegou a cabeceira da minha tropa, um pelo outro não pode sair por menos de 20 contos de réis, menos aquela mulinha que o Senhor separou, aquela é montaria de patrão, o valor é maior.

- Daquela, nos vamos conversar em separado seu Manoel. Mas destes aqui só separei animais de tração, o Senhor está considerando como cavalos de montaria, assim não vai dar negócio, vamos falar sério!

No final, depois de muitas considerações de guerra a batalha terminou em bons termos, João pagou 13 contos de réis por cada animal, levou sete e a mulinha nova como presente ao Coronel Vieira, como presente mesmo.

E assim foi, em cada parada mais animais. E sempre mais um de presente para o Coronel Vieira.

Um dia deixaram a tropa num pouso de boiada e foram dar uma espairecida na cidade de Aiuruoca, no meio da viagem. Pararam na bodega Valverde, a única da cidade, cheio de passantes e viajantes. Estavam muito tempo sem molhar a goela, sem perceber exageraram na “branquinha”, seu Vito que era fraco para isto começou a falar o que não devia. Em voz alta perguntou quem tinha burros para vender que eles estavam pagando a vista. Despertou a atenção de alguns, coisa que João percebeu. Nas paradas seguintes, João dobrava os cuidados, punham as redes penduradas nas árvores com enchimento próximas a uma fogueira e se retiravam para dentro do mato para descansarem. Sempre com um em turnos de vigia e mais seu cavalo solto entre eles, que funcionava melhor que um cachorro em vigia. Não precisou de muito tempo nesta rotina, já no segundo dia surtiu efeito.

Noite alta, o cavalo inquieto soprando as ventas e chafurdando o chão, no turno de Lourenço que ficou atento, 5 homens se aproximaram do acampamento. Lourenço se apressou e acordou João Belizário, que se aviou rapidamente. Cada homem se posicionou para uma rede, ficando dois de sobra para cobertura. A um sinal dispararam tudo nas redes e ai foram ver o estrago, não tiveram tempo de comprovar, João muito bem posicionado matou três com a “papo amarelo” e um com seu Shmit modelo 1929, seu Vito deu conta de um.

Deixaram os corpos sem enterrar, mas levaram suas montarias, o crédito destas mortes ficaria por conta dos paulistas que recentemente tinham incursionados por estas montanhas.

Quase quarenta dias de viagem chegam a Juiz de Fora, com mais de 100 muares, dia 02 de outubro de 1932, procuram o intendente para entregar a tropa e fazer os acertos necessários. O intendente de maior patente não sabia de nada sobre esta tropa, foi procurar o General comandante da 4ª Região, que chamou João Belizário imediatamente.

- Seu João a Revolução acabou, não preciso mais destes burros, o senhor vai ter que devolvê-los e entregar o dinheiro recebido de volta ao Coronel Vieira.

João estava surpreso, não tinham noticias nenhuma durante a viagem, mas não se arrefeceu e não se submeteu à autoridade do General.

- Seu Comandante, com o perdão da má palavra, fiz de um a tudo para cumprir a missão que o Coronel Vieira me incumbiu, mas não vou desfazer os negócios não. Sou homem de uma palavra só, não volto atrás nos negócios.

O impasse estava criado. O General pensou em mandar prender este insolente, mas era um civil que tinha cumprido uma missão ordenada por ele.

João que sempre era de muita iniciativa sugeriu:

- General, se o Senhor me der pouso e comida para mim e os companheiros e alojar a tropa, ajudo a revendê-la aqui na região, são animais bem escolhidos e o preço conseguido nas bacias das almas. Tem 10 deles (os “presentes do Cel. Vieira”) que eu aproveitei a viagem e os comprei para mim, pois sou comerciante na minha região. Não precisarei de mais do que 15 dias para conseguir todo o dinheiro dispendido.

João sempre fazia uma limonada dos limões que lhe davam.

Como o General não tinha alternativa acabou aceitando as condições impostas por João. Que cumpriu tudo no prazo e ainda ganhou um bom troco vendendo os muares em valores bem mais alto do que havia comprado. E, lógico devolveu somente o valor que ele recebeu do Cel. Vieira. Saiu com os trocos e os bons presentes ao Coronel Vieira que nunca soube deles. E ainda com uma carta de agradecimento do General pelos bons serviços prestados.

Defranco
Enviado por Defranco em 15/09/2013
Código do texto: T4482867
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