LOIRA FATAL
Desde minha adolescência, há mais ou menos 45 anos, sempre fui avesso a grandes
multidões, tais como: campo de futebol em dia de
clássico; grandes eventos em ambientes abertos;
praias super-lotadas, etc. Isso, já naquela época
quando não havia tanta violência, tantas agressões
gratuitas. Parece até que o povo daquele tempo era
mais solidário, mais humano, mais educado, sei lá!
Imagine hoje, onde a galopante evolução que
aconteceu parece ter trazido com ela , a falta de
respeito ao próximo, o incentivo a violência
proporcionado pelos meios de comunicação, a
inversão de valores morais e principalmente a
impunidade aos infratores, tornaram o convívio
social num verdadeiro campo de batalha, onde o
salve-se quem puder é a palavra de ordem. Mas,
vamos a nossa história.
Apesar de não ser muito chegado a banho de
mar, dado ao desconforto que me proporciona o
corpo impregnado de sal, vez por outra ia à praia.
Sempre a mais deserta possível e por incrível que
pareça, de preferência sozinho. Não pelo banho em
si, mas pelo bem estar, pela beleza do mar e
principalmente pela tranqüilidade e a paz interior
que a água nos transmite.
Um sábado qualquer, resolvi ir a praia de
Candeias que era bastante deserta na época. Estava
sentado bem próxima a água, tranqüilamente me
deleitando com aquela beleza, aquelas ondas tão
vivas lá adiante e que gradativamente vinham
morrer a meus pés, quando de repente olho para
trás e vejo sentada, também sozinha, uma linda
loira, um corpo escultural e de olhos tão verdes que
mais pareciam duas esmeraldas. Olhou para mim e
abriu um largo e bonito sorriso. Voltei a posição
anterior e pensei comigo mesmo: será que ela riu
para mim? Olhei em volta e não havia mais
ninguém além de nós dois. Olhei novamente e ela
voltou a sorrir, agora com maior intensidade.
Tomei coragem e fui até lá e começamos a
conversar, essa conversa rapidamente se
transformou em paquera.
Coincidentemente, naquele sábado eu havia
reservado uma mesa na Adega da Mouraria para
assistir a um show do meu ídolo Nelson Gonçalves.
A Adega era uma casa de shows, relativamente
pequena, localizada por trás da Secretaria Estadual
de Educação, no centro da cidade do Recife, muito
freqüentada pelos grandes artistas da época, como:
Ângela Maria; Caubí Peixoto; Orlando Silva;,
Elizeth Cardoso; Agostinho dos Santos e tantos
outros.
Não pensei duas vezes, falei do show e a
convidei para acompanhar-me. Ela de imediato
aceitou o convite e estava armado o programa
daquela noite. Ficamos na praia por mais algum
tempo e depois fui levá-la em casa.
Quando voltei a noite para apanhá-la, foi
grande a minha surpresa. A mulher estava mais
linda naquele longo preto, do que pela manhã em
traje de banho. Naquela época, em qualquer festa,
os homens usavam terno e gravata e as mulheres
vestidos longos.
Ao chegarmos a Adega, já havia alguns casais
bebericando e conversando, música ambiente
suave e baixinha, também não existia - graças a
Deus - o pagode, nem tampouco o sertanejo.
Quando nos aproximamos da mesa, gentilmente
puxei a cadeira para que ela sentasse. Aí a surpresa
foi maior ainda. Ela virou-se prá mim e em voz alta
bradou: Ôxente! quer me dar uma queda, é? Alguns
presentes, discretamente riram, procurei terra nos
pés e não encontrei. Que vergonha!. Calmamente
respondi: Não, não vou dar uma queda em você,
sente-se.
Ela sentou-se, sentei também bem pertinho
dela e sussurrei ao seu ouvido: Olhe! até terminar o
show você não vai abrir a boca nem para tomar
água. Se quiser tomar alguma coisa vai ser de
canudinho para não abrir a boca, certo? Ela
concordou. Assistimos ao show, fui deixá-la em
casa e foi aquela a última vez que vi a loura fatal.