As Três Barras de Cobre

Minha avó materna costumava dizer que um tesouro dos bandeirantes, quase se tornou herança da nossa família, um dia. Ela sabia muito pouco sobre esse fato, mas ainda se lembrava das conversas de sua mãe nos seus já distantes tempos de menina, e nos contava a história das três barras de cobre que seu bisavô Benedito Pereira de Carvalho encontrou fincadas numa vereda, perto de Vila Boa, antiga capital de Goiás.

Tudo começou quando seu bisavô, enfadado pelo oficio de tacheiro, resolveu virar tropeiro. Empinou o peito e disse: “minha vida de tacheiro acabou, de hoje em diante vou ser tropeiro”. Arrendou mulas e cavalos, montou uma tropa, e passou a viajar pelos sertões de Goiás levando mercadorias e animais para Vila Boa e trazendo de lá, sal, querosene, pimenta do reino e tecidos para serem vendidos no comércio de Formosa dos Couros. Influenciado por ele, Isaías Pereira, seu irmão, também tacheiro, aderiu à nova atividade por três por cento dos lucros.

Às vezes, os animais fugiam com a carga; quando não recuperados, eram engolidos pelo mato ou se afogavam na travessia dos rios caudalosos deixando-os com o prejuízo. Numa dessas viagens, uma mula de carga fugiu. Benedito Pereira e dois de seus peões se embrenharam no cerrado e saíram ao seu encalço. Conseguiram alcançá-la numa vereda, após um dia de muita procura. O sol descambava no horizonte e eles tiveram que passar a noite por lá, debaixo de um pé de jatobá. No dia seguinte bem cedo, ao acordarem, viram três barras de cobre fincadas no solo. Bom tacheiro, meu tataravô se interessou por elas, pois poderia transformá-las em belos tachos e as arrancou sem prestar atenção.

Ainda não havia completado uma semana da sua volta a Formosa dos Couros, quando foi pegá-las para derreter e transforma-las em tacho, notou em uma delas, uma inscrição. Não entendendo aquelas palavras, chamou o irmão e foi à igreja falar com o padre Luis, vigário da paróquia. O padre viu a inscrição e disse que era latim. Depois de traduzi-la, falou que as barras indicavam um lugar onde algo foi enterrado. Disse ainda que havia uma data na inscrição e que coincidia com a passagem dos bandeirantes pelo sertão de Goiás. Concluindo daí, que naquele lugar os bandeirantes poderiam ter enterrado alguma coisa, provavelmente, o ouro que tiraram dos índios.

Aquilo deixou Benedito Pereira ressabiado. Olhava para o padre, mas seus pensamentos voaram para longe para a vereda onde encontraram as barras de cobre. Não dormiu naquela noite. E nas noites que se seguiram mal pode pregar o olho. Dormia e acordava, virava e revirava-se na cama e se lembrava das palavras do padre e maldizia a chance perdida de tornar-se rico. As visões da riqueza lhe tiravam o sono. O brilho do ouro o cegava, aguçava-lhe a cobiça, não lhe deixava dormir.

Então, passou a preparar uma viagem para ir procurar a vereda das barras de cobre. Montou uma pequena tropa e partiu na manhã de quinze de março de 1836. Fez se acompanhar do irmão, cinco homens de confiança e a esperança de voltar rico. Uma semana e meio depois chegou ao local de onde a mula fugiu. E daí seguiu por uma trilha. Pertinho bem perto devia estar a vereda. Depois de andarem o dia todo avistaram a primeira vereda. Mas, não encontraram indícios de que fosse ela a procurada, pois, nem mesmo um pé de jatobá foi visto. Depois passarem por outras veredas e verificarem que em nenhuma delas havia um só pé de jatobá ou algum sinal das barras de cobre, voltaram ao ponto de partida.

A verdade é que, depois de percorrerem durante dois meses e meio as terras da região, nada encontraram. Tudo o que parecia fácil começou a mudar de tom e assumir de vez as cores da impossibilidade. O cerrado escondia as pistas do tesouro. Mesmo assim, sob a ordem de Benedito Pereira os companheiros persistiam. Depois de vasculharem outras veredas e não acharem nenhum indicio de que as barras de cobre estiveram lá, o desanimo tomou conta de todos, menos de Benedito que por temperamento se recusava a admitir dificuldades. Não tinham bussola não tinham armas aperfeiçoadas, não tinham remédios, confiavam na sorte, andando ao acaso. Ele insistia. Os companheiros pediam para que desistisse e voltasse para casa. Benedito recusava. Queria seguir em frente e continuar procurando.

Isaías Pereira ficou alarmado quando notou que Benedito mostrava sinal de que já não estava bem. Apresentava sintomas de estar perdendo o juízo. Não falava mais coisa com coisa e passou a ter miragens vendo a vereda do ouro a cada curva das trilhas. Quando viu o irmão ardendo em febre, Isaias Pereira ficou apavorado e fez o caminho de volta para casa.

Uma semana depois chegaram a Formosa dos couros. Isaias Pereira contou envergonhado, que além de não encontraram a vereda das barras de cobre, seu irmão adoecera. Benedito Pereira de Carvalho delirava, acometido de febre alta, tremores e forte dor de cabeça. Não tinha apetite e nada parava no seu estomago. Consumido pela febre ele morreu uma semana depois.

Antes de morrer, levantou-se; quis deixar a cama. Contiveram-no. Olhou em roda do leito e movendo a cabeça pediu para ver as barras de cobre. Sentou-se na cama esticou o braço direito e botou o dedo indicador na inscrição. Depois falou entre frases desconexas e risadas que um dia encontraria o ouro e que ficaria muito rico, e morreu. E assim, apagou definitivamente o sonho de encontrar o tesouro dos bandeirantes, e como dizia minha avó materna: a herança da família.