História do Padre sem cabeça

Em: 20/11/2013

Quando ainda pequeno, em Urucará, havia muitas histórias que ficaram gravadas na minha memória. Na época, na praça principal que hoje ostenta uma Igreja Católica muito linda, existia uma igrejinha que ficava bem próxima à rua principal, do seu lado direito havia uma pracinha com o piso de cimento e do lado esquerdo um campinho no qual jogávamos vôlei. Atrás dessa igrejinha havia uma armação de madeira, e nós subíamos uma escada para bater os sinos no dia de missa e novena. Havia atrás dali também outro campinho, onde batíamos a nossa pelada no final da tarde.

Nessa época não tinha luz, e os mais antigos falavam que na igrejinha aparecia de vez em quando um “Padre sem cabeça”. Diziam que havia morrido e sido enterrado ali mesmo. Muitas pessoas já o tinham visto e afirmavam detalhes da vestimenta do Padre, só que sem a cabeça. Era um pesadelo para nós pequenos quando escurecia, pois precisávamos muitas vezes passar em frente à igrejinha. Eu, que morava bem perto da praça, tinha muito medo quando minha mãe me mandava ir a algum lugar à noite, era um tormento, por isso só passava ali correndo, a mais de mil por hora.

Certa vez, ao atender um mandado da mamãe de tanto correr com medo do Padre sem cabeça, acabei atropelando um cachorro e me feri, acabei voltando para casa chorando.

A igrejinha já estava bem velha e era casa de morada de caba. Pelo fato de existirem muitas e muitas cabas na igrejinha, passamos a chamá-la de “Caba de Igreja”. Para exterminá-las, a comunidade fazia um mutirão. Amarravam uma tocha na ponta de uma vara, tacavam fogo para queimar e derrubar as casas de caba e os seus filhotes, que, quando assados, eram utilizados como isca para a pesca de sardinha e pacu.

Após o almoço, quando não tínhamos nada para fazer, costumávamos brincar bem ao lado da igrejinha, pois nesse lugar fazia sombra, junto com gostoso vento de verão. Devido a essa preferência, cansamos de ser ferrados por essas cabas que caiam lá de cima brigando, ou então flechando em nossa direção, e essa ferrada doía bastante. Na hora da missa, quase sempre as pessoas eram picadas por essas cabas.

Fui batizado, fiz a primeira comunhão e o crisma nessa igrejinha, assim como a maioria das pessoas daquela época. Fui acólito, junto meus colegas de infância; Mário Falabella, Edmilson, Toró, Bangu, Estélio, Pato, Nado e outros, e todos nós ajudávamos o padre nas celebrações.

Algum tempo depois, vieram dois padres para Urucará, padre Jorge e padre Miguel. Ambos decidiram construir uma Igreja maior, que ficasse bem centralizada na praça, e contaram com a ajuda do prefeito e dos moradores. O projeto foi um sucesso, hoje há lá uma igreja maior e mais bonita, que teve como grande mestre de obra o Senhor Antonio Oran (em memória ), João Pedro (em memória) e outros profissionais. Eu, ainda jovem, assim como outros pequenos, também ajudei a construí-la, foi um verdadeiro puxirum (como diz o caboclo) para erguer essa grande obra, na qual casei com Jacirene de Andrade Ramos minha esposa, alguns anos depois.

Assim a igrejinha do Padre sem cabeça foi derrubada, e ele, junto com a nossa igrejinha, enterrado para todo o sempre.

Este conto serve para que possamos relembrar as antigas histórias do nosso Urucará.

José Gomes Paes

José Gomes Paes
Enviado por José Gomes Paes em 22/11/2013
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