O Homem do Milharal


Tudo o que ele sabia resumia-se ao milharal. Descobriu-se entre os pés de milho, sua primeira lembrança de ser um ser e não uma coisa foi o milharal. Literalmente nasceu entre as espigas e as folhas verdes do milharal de propriedade do Coronel Waldemiro. Sua mãe rompeu a madre aos dezesseis anos durante a colheita do milho de verão e morreu logo após o parto. Nasceu e cresceu entre os grãos dourados, aprendeu o necessário para sobreviver na lida com o milho. Aprendeu que o milho é filho da polinização, nunca soube quem polinizou sua mãe aos dezesseis anos de idade. Nunca soube o nome de seu pai. Não tinha idade posto que não tinha identidade. Ele só existia no milharal. As mãos calejadas, a fala entrecortada, pele castigada pelo sol, varias cicatrizes pelo corpo espalhadas. Eis o homem. É desagradável contar a história de alguém sem falar seu nome, mas ele não tinha nome, tinha muitos apelidos todos degradantes.

Certo dia Coronel Waldemiro estava em seu gabinete particular na casa grande alimentando alguns papeis com grilos, ou alimentando grilos com papeis quando foi avisado da chegada de seu compadre Coronel Macedo Malufaia. Coronel Waldemiro enfiou a papelada e grilos em lugar seguro e foi ao encontro de seu compadre na grande sala de visitas. Abraços apertos de mãos protocolares dados sentaram-se para a prosa do mês. Este encontro mensal acontecia há vários anos, na verdade foi herdado de seus pais que também eram compadres e se visitavam uma vez por mês para prosear e falar sobre negócios relacionados com papeis e grilos famintos.

Logo após levar a boca a xícara de café e abanar da perna da calça as migalhas do bolo de milho Coronel Macedo Malufaia falou algo determinante para o futuro no nosso homem do milharal, o homem sem nome. Com indisfarçável sorriso sarcástico nos cantos dos lábios Coronel Macedo Malufaia disse que sempre que via o nosso homem do milharal ficava impressionado com a semelhança entre ele e o Compadre Waldemiro. Coronel Waldemiro colocou sua xícara de café no pires sobre a mesinha de madeira maciça. Retirou do bolso do paletó branco o canivete de picar fumo, puxou lentamente a lâmina de dentro do cabo e ficou olhando para ela por alguns segundos. Levou a lamina de volta para dentro do cabo guardou o canivete no mesmo bolso olhou fixamente para o compadre e perguntou:- O que foi que você falou compadre? Antes mesmo de ouvir a pergunta o sorriso sarcástico já havia desaparecido dos cantos da boca do Coronel Macedo Malufaia. Notoriamente desconsertado sem saber o que dizer pediu outra xícara de café e outro pedaço de bolo de milho.

O homem nascido entre o verde das folhas e o dourado das espigas de milho desapareceu sem deixar vestígios, ninguém perguntou por ele, ninguém procurou por ele. No gabinete particular do Coronel Waldemiro os grilos receberam papel novo para sua alimentação e nunca mais Coronel Macedo Malufaia apareceu para prosear e tomar café com bolo de milho, também desapareceu da face da terra misteriosamente.









 
Yamãnu_1
Enviado por Yamãnu_1 em 17/12/2013
Código do texto: T4614797
Classificação de conteúdo: seguro