O Lobisomem

Era uma noite escura de dar medo. Numa sexta-feira da paixão. Tinha caído um toró de tarde e eu estava sozinho na Baixa Funda ali na beira do Santo André. Era uma chochinha de pau a pique, coberto de palha de buriti. Não sou um cabra criado com maxixe de tapera, mas, naquele dia, um tremor corria em meus ossos e um friozinho percorria minha espinha. Achei melhor ir me deitar. Espalhei as brasas do fogão e fui procurar a cama de jirau que ficava do lado oposto ao fogão. Não tinha colchão nem de palha, deitava num couro de boi curtido e me cobria com uma coberta de algodão cru. Apaguei a lamparina, o ranchinho ficou num breu só. Tudo ficou tão quieto que eu podia ouvir meu coração batendo. Fiz um ‘pelo sinal’ rezei um pai-nosso e uma ave-maria e fiquei virando de um lado pra outro naquele jirau. Quando foi ali pra mais tarde, depois da meia-noite, um vento começou a soprar e balançar as folhas dos paus. Acho que estava meio cochilando quando começou o “tendepá”. A cachorrada envinha latindo- CAU CAU CAU- num “labacéu” de dar medo. No meio da barulheira dos cachorros se ouvia um urro feio, barulho de gelar coração de macho. Aquilo veio descendo na estrada num atropelo tão horrível que parecia trazer o inferno atrás. Quando é fé, olha a baderna no terreiro do ranchinho, o trem corria os quatro cantos do rancho. Uma catinga de dar ânsia de vômito. Eu tinha cortado um bocado de ossos com o machado pra cozinhar no feijão e havia guardado numa gamela em cima de um jirauzinho no terreiro. Essa besta-fera deve ter sentido o cheiro dos ossos e deu nessa gamela cheia de ossos, eu ouvi um estralar de dentes quebrando ossos e daí a pouco um carreirão pro rumo da estrada. Os cachorros, nessas alturas, latiam todos na estrada, não sei o porquê, não se encostaram ao rancho. Eu já tinha rezado uns vinte “creio-em-deus-pai” e umas trinta salve-rainhas. O medo virou um troço que eu nem sei explicar. No dia seguinte era só o que se comentava no lugar, o trem tinha corrido léguas, matado cachorro, porco, arrancado cabeça de galinha e bebido o sangue. No Saco da Roça, o Zequinha de sô Bruno envinha da casa da noiva a pé e foi atacado na passagem de uma tronqueira. Dizem que estava no sal, todo lenhado, a besta o deixou seminu e só não o matou porque deu com um crucifixo que ele trazia no pescoço. Diz que deu um esturro e partiu pra dentro do cerrado, quebrando tudo que era pau. Eu não tenho certeza porque no terror que eu me encontrava e com o escuro que estava naquela noite, eu só me lembro que olhando nas frestas da parede, só via o vermelhão dos olhos da besta. Mas muita gente velha do lugar, homem de morrer pra sustentar a palavra, garantiu-me: Era LOBISOMEM.

Geraldo Rodrix
Enviado por Geraldo Rodrix em 13/01/2014
Reeditado em 09/08/2023
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