Luz, câmera, Voltaire

“O estudo da metafísica consiste em procurar, num quarto escuro, um gato preto que não está lá.” – Voltaire

Um fundo preto: um fundo preto, um chão preto, quatro paredes laterais, todas elas pretas. Um cubo negro. No centro do cubo uma cadeira: outrora branca, agora amarelada pela intensa e cotidiana luz do sol; rasgada pela força dos ventos do oeste; portando três finas e gastas pernas de um envelhecido mogno vermelho apodrecido. Uma cadeira: assento triangular, encosto oval, incomum, no centro do cubo enegrecido. Enegrecido porque outrora foi claro: claro como a luz amarela e intensa do sol que marca a velha cadeira.

Sob a cadeira um homem, encostado no encosto amarelado, com a mão numa bengala, num cochilo há horas, com a boca aberta. Sono profundo. Escuridão profunda. O velho dorme... Ele veste um suéter vermelho com tiras brancazuladas de onde emana um odor demasiado incômodo. Um velho senhor que dorme encostado no encosto amarelado, com a mãe na bengala e a boca aberta.

Ao lado do velho, ao lado da cadeira, há um bichano: preguiçoso, negro e sujo, de onde emana um odor demasiado incômodo. Espreguiça-se de barriga para cima, patas para o alto, boca aberta. O bicho não dorme: boceja.

Em frente ao bichano, uma vasilha: redonda, azul, profunda. No interior escuro do recipiente há um olho, ora escuro, ora claro, mas sempre vigilante. No olho: um glóbulo branco, uma pupila neon, cílios, sujeira, areia.

O olho é o narrador, é onisciente. O olho, no interior da vasilha azul e profunda está imerso num liquido escuro e quente: café? NÃO, CARO LEITOR! - Coca-Cola en-ve-lhe-ci- da!

O cubo vibra. Momento de tensão: Voltaire acordou. A cadeira quebra com o solavanco. Apoiando-se na bengala, levanta-se. O gato, num sobressalto, cai na vasilha, um grito, agora alto, daqui a pouco baixo: o bicho cai num ilimitado infinito escurecido.

- MIAUuuuuuu!!!

Acendem-se as luzes:

- PARABÉNS PESSOAL, PAUSA PARA O CAFÉ! – diz eufórico o diretor.