ME PÕE NO CHÃO QUE MORRO À TOA

Naldim é um sujeito pequenino e franzino, mede no máximo um metro e meio. É gente boa, boa prosa, prestativo e muito camarada. Todos diziam que ele de fato é um sujeito muito especial, seu único defeito é falar demais. Quando começava a contar causos, quando começava com seu trololó costumeiro, pronto, não havia nada no mundo, que o fizesse parar.

Se deixassem falava noites e dias inteiros, por meses seguidos. Sua única pausa era para tomar uma água ou retomar o fôlego e logo emendava: Como eu estava te falando...

Naldim falava tanto, que muita gente ao vê-lo; dava voltas para não entabular nenhum tipo de conversa com ele.

Naldim é mesmo um caso sem solução. Trabalha em consertos de eletrodomésticos e o fazia com muita competência.

Os consertos que apareciam, ele sempre dava um jeito, se ele não conseguisse, podiam desistir, pois não tinha ninguém melhor que ele na cidade, e foi assim de casa em casa, de consertos em consertos que acabou se tornando um grande amigo de Toniquinho que arranjou a ele certo dia, o conserto de uma máquina de lavar, a partir daquela data se tornaram praticamente irmãos, se não pelo sangue, sim pela consideração que tinham mutuamente.

Volta e meia, em todas as horas de folga se quisessem localizar Naldim, era só ir à casa de Toniquinho, lá estava ele todo prosa como sempre. Moram numa cidadezinha do interior das Minas Gerais, onde todos se conhecem.

A cidadezinha incrustada entre as montanhas mineiras é uma cidade pacata e acolhedora, o prefeito da época, um sujeito bonachão, era muito festeiro e brincalhão, todos o admiravam e desta feita já estava no segundo mandato.

Anteriormente fora prefeito da referida cidade, diversas vezes.

Miguel Militão, o prefeito, também era muito amigo de Naldim e gostava de quando em vez ouvir seus causos intermináveis. Seu prefeito tinha toda a paciência do mundo com o rapaz, afinal era Naldim eleitor dos bons, e via de regra atuava também como um bom cabo eleitoral já que conhecia deus e o povo.

Toniquinho arranjou uma namorada e papo vai e papo vem depois de uns dois anos acabou convidando Naldim para ser seu padrinho de casamento, Naldim claro, não só aceitou como ficou contentíssimo com a consideração do amigo e esse foi mais um motivo para intermináveis causos que acrescentara ao seu currículo.

Os anos foram passando e Naldim se tornara de fato o maior amigo de Toniquinho. Era por assim dizer, carne e unha.

Toniquinho manteve seu casamento por uns oito anos. Mas um dia começou a desconfiar que sua mulher estava de namorico com Jocão, um sujeito que parecia um armário de quatro portas, grande e forte pra caramba, tinha quase dois metros de altura e não gostava de muita conversa, qualquer coisa ele resolvia, na hora e no braço mesmo, nunca deixava nada pra se resolver depois.

— Naldim, tô muito desconfiado de Madeleine, acho que ela está me colocando um par de chifres, meu rapaz; e se minhas desconfianças estiverem corretas, ela só pode estar de trololó com aquele sujeito grandalhão, o Jocão.

—Que isso Toniquinho, será possível?

—Acho que sim Naldim, vou ficar de olho e acho que você como meu irmão, tem o dever de me ajudar nisso, se souber de alguma coisa, por favor, me conta, está bem?

— Ora Toniquinho, embora eu ache que você está enganado, se souber de alguma coisa é claro que te aviso.

Os meses transcorreram e certo dia, Toniquinho fingiu que ia trabalhar e ficou de tocaia.

Realmente tudo se confirmou, a Madeleine saiu e foi se encontrar com o Jocão, num motelzinho afastado, cerca de uns dois quilômetros da cidade; e pior usando o carro do casal.

O Toniquinho ficou fulo da vida, fotografou o local e os dois pombinhos e claro, entrou imediatamente na justiça pedindo o divórcio e a guarda de suas duas filhas. Ele não ia deixar as suas meninas morando com um depravado como aquele Jocão de jeito nenhum, mas nem que a vaca tussa.

Madeleine, sabendo a enrascada em que se metera e também amiga de Naldim, deu um jeito de se aproximar dele numa madrugada, ao lado de Jocão para fazer com que ele falasse na justiça que ela sempre fora uma boa esposa e boa mãe.

Queria ter as filhas junto dela, de olho na gorda pensão de Toniquinho. Não podia perder aquela parada de jeito nenhum.

O Jocão era um bom amante, mas com ele, ela jamais teria a segurança financeira que tinha com Toniquinho que era bem empregado e tinha um salário muito bom, ao contrário de Jocão, que nem emprego tinha e vivia perambulando pelos botecos da cidade bebendo e jogando bilhar. Com ele, financeiramente ela estava perdida.

— Naldim, eu sei que você é muito amigo do Toniquinho, mas também nós dois sempre fomos amigos e preciso que você assine esse papel que fiz.

O Toniquinho entrou na justiça pedindo o divórcio e quer tomar as meninas e como o desgraçado levou com ele um colega de trabalho que fotografou a nossa entrada no motel, claro que ele vai ganhar essa causa, mas se você assinar esse documento, pelo menos vou tentar ficar com as meninas e a pensão delas, caso contrário estarei perdida mesmo. O papel não tem nada demais apenas narra que sempre fui uma boa esposa e uma boa mãe. Isso na justiça conta muito. Todos sabem que você frequenta muito nossa casa e isso vai me ajudar e muito.

O Naldim ficou olhando aquele papel que ela tinha nas mãos e completamente indeciso, não sabia o que fazer.

Foi quando o Jocão falou:

—Assina logo essa merda Naldim, ou vou ter que te dar umas porradas, meu camarada, você vai querer me encarar?

O Naldim analisou a situação e não vendo outra saída, assinou o maldito papel. Madeleine e Jocão agradeceram e se mandaram e Naldim ficou remoendo a traição que ele acabara de fazer com seu amigo, a noite se tornou tão longa quanto os causos intermináveis que contava.

— Sou um merda mesmo, por que eu tinha que fazer aquilo?

Por outro lado, como deixar de assinar aquele maldito papel, com a presença daquele desgraçado do Jocão me ameaçando?

O dia amanheceu e ele não aguentando mais, foi até o trabalho de Toniquinho e contou envergonhado o que acabara de fazer. Não conseguia encarar de frente, seu amigo.

No primeiro momento, Toniquinho ficou com uma raiva desgraçada do amigo e disse:

—Puxa vida Naldim que droga de amigo é você? Você sabe que nessa história toda, sou eu o prejudicado e mesmo assim você me aprontou uma falseta dessas?

Pela primeira vez na vida, Naldim perdeu a voz, não sabia o que dizer ao amigo e preferiu ficar absolutamente mudo.

Passado os primeiros minutos de cólera do Toniquinho, ele disse:

— Bom Naldim, você não podia ter feito uma coisa dessas, mas já que fez, está feito, vou conversar com meu advogado e vamos ver o que ele me aconselha.

Chegou o dia da audiência e todos os envolvidos foram parar na frente do juiz, o advogado de Toniquinho chamou o Naldim em particular e disse a ele que iria dizer que ele fora ameaçado e intimidado pelo Jocão a assinar o tal papel e bastava ele confirmar essa versão, que o juiz observando a fragilidade do Naldim em relação ao Jocão, daria ganho de causa ao seu cliente Toniquinho, com certeza.

Dito e feito, depois das acusações e defesas apresentadas, o juiz, observador que era só ver o físico do Naldim e o comparando com o brutamontes do Jocão percebeu nitidamente o que tinha ocorrido e mesmo o Jocão com cara de poucos amigos, olhando atentamente para o Naldim, este confirmou a versão combinada com o doutor Jardel e foi assim que Madeleine perdeu o direito da guarda das filhas e consequentemente a gorda pensão que pensava ter direito sobre os ganhos de Toniquinho.

Ao findar a sessão do júri, na saída do fórum, uma multidão aguardava na praça em frente, o desenrolar do julgamento.

Muitos foram parabenizar o Toniquinho, homem muito bom, decente e amigo de todos, chifrado por aquela porcaria de Madeleine, que não merecia coisa nenhuma de ajuda do rapaz.

Foi quando olharam para um canto da praça e ouviram a voz de Naldim berrando a plenos pulmões com as perninhas balançando a um metro e meio do chão.

— Pelo amor de Deus Jocão, me põe no chão, eu sofro do coração e morro à toa...

Até hoje quando lembram do julgamento de Madeleine, a gargalhada geral é garantida em toda roda de amigos daquela cidadezinha pacata e acolhedora. Naldim a partir daquele dia reduziu seus causos pela metade, era só ele começar com o trololó que alguém passava e gritava de longe:

—Naldim, se esconda depressa meu compadre, Jocão está vindo furioso pra lhe pegar! A tremedeira de Naldim era visível!

Qualquer assunto que ele desenrolava acaba no mesmo instante e ele sumia dali voando como um raio.

Marçal Filho
Enviado por Marçal Filho em 04/06/2014
Reeditado em 19/11/2023
Código do texto: T4832115
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