SONORA GOLEADA

Atleta de fim de semana, Constantino ainda jovem era um dos melhores goleiros amadores da região, até não concordo muito, pois acho que boa parte da invencibilidade do Pacífico Esporte Clube se devia as atuações do Gildo e do Tomate, a melhor dupla de zaga de toda a história dos campos de várzea daquela cidade, mas enfim era um time e tanto.

Durante a semana cada um tinha a sua obrigação, não existiam treinos, se juntavam somente nos dias de jogos. Cada um se preparava como podia, o Gildo borracheiro passava os dias remendando pneus, o Tomate no Ceasa carregando caixas do fruto que lhe emprestou a alcunha. Tínhamos garçons, pedreiros e em especial nosso ponta direita que treinava arrancada todos os dias atrás do caminhão coletor de lixo. O Pacífico era uma miscelânea de profissionais que quando se juntavam conseguiam jogar um belo futebol.

Em poucos anos a equipe se tornou famosa e temida na região, pentacampeão amador, medalhista em vários torneios e festivais, faltavam-lhes adversários a altura, pensaram até em dissolução mas antes de tudo eram uma família.

Fato é que Constantino possuía um tio querido que a muito não via, seus primos também atletas do Desportivo Rio Vermelho moravam a umas quatro horas de ônibus num arraial pertencente a uma cidade chamada Joanopólis. Negociou-se então um amistoso contra o Rio Vermelho, excelente oportunidade para um encontro familiar, seria a mais longa excursão na trajetória do Pacífico.

Finalmente o dia chegou. Viagem agradável, batuque, muita farofa e refrigerante, vez por outra todos corriam para a janela a observar as belas moças na calçada. Momentos memoráveis, aquela quebra de rotina estava fazendo muito bem para a equipe.

Em Joanopólis, informaram-se onde ficava o arraial de Porteira Velha berço do Rio Vermelho. O dono de uma mercearia sarcástico indicou o caminho, desconfiados pediram novas informações a um senhor que tomava sol em frente a sua casa. Estavam no caminho certo. Mais uns vinte minutos por uma tortuosa e poeirenta estrada e pôde-se identificar a frente um pequeno aglomerado de casas em torno de um boteco. Além daquelas casas Porteira Velha tinha também sítios e fazendas espalhados aqui e ali. Um moleque subiu no ônibus para indicar o local da peleja.

O veiculo seguiu por uma bela alameda de eucaliptos, com estrondosos solavancos quebrando a paz. A equipe em silêncio. Numa curva avistaram quatro pessoas uniformizadas com as cores vermelho e azul que pareciam pastorear o gado num sofrido pedaço de terra. O silêncio incomodava, a estrada virou em direção aos pastores. Protestos surgiram. Das janelas viam-se os animais sendo retirados por um dos cantos do campo, próximo ao gol alguns atletas faziam aquecimento enquanto outros se trocavam na mata. A torcida era surreal, até bizarra, alguns pareciam ter vindo do roçado empunhando foices, facões e enxadas. Mulheres, nem pensar, futebol era coisa de macho, provavelmente estavam cozinhando o almoço de domingo.

Neste dia não se sabe se foi graças ao cansaço da viagem, ajuda dos cupins e buracos, desinteresse dos atletas ou pelo medo das foices que o Pacífico tomou sua maior goleada.

Um sonoro sete a zero que até hoje mancham o currículo daqueles bravos guerreiros, mas no fundo todos recordam carinhosamente daquela derrota.

Constantino, a ele nunca mais foi dado o direito de marcar amistosos.