AGOSTO, SACI, LOBISOMEM E OUTRAS HISTÓRIAS

"Esse menino tem todo o sintoma do povo

da política. É invencioneiro e linguarudo."

("O Coronel e o Lobisomem", de

José Cândido de Carvalho)

Para muitos agosto é mês de mau-agouro.

Para mim era mês de fantasias.

Na minha infância a luz vinha de lampiões e lamparinas.

Era difusa e fertilizava a imaginação.

Certa noite, vimos a cabeça de uma mula que sobressaia de uma moita alta de capim:

____ Olhem uma mula sem cabeça!

____ Mas como? Se só o que vemos é a cabeça?

Uma menina, a menor de nós todos, é quem explicou:

____ É uma mula sem cabeça "só" com a cabeça...

Assustador...

Foi nessa época que guardei em casa muitos sacis.

Cinco, um recorde entre a molecada.

Todo agosto saiamos a caça de redemoinhos.

O vento, próprio do mês seco, formava muitos.

A areia do solo os desenhava no ar quente, ágeis,

em formato giratório.

No centro tinha saci.

Para pegá-los armávamos de peneira forrada de lona velha, com uma cruz cristã desenhada no centro com o carvão de vela do ossário do cemitério.

Ossário era um poço profundo onde eram lançados os ossos dos sepultados sem família, que haviam graduado em geologia após cinco anos no subsolo do campo santo.

Eram defuntos de segunda categoria, que recebiam muitas orações.

Acercávamos do redemoinho, que corria sem rumo pelo campo e lançávamos a peneira sagrada.

Para o sucesso da tarefa, o redemoinho tinha que acabar neste ato.

O sumiço do vento era o sinal de que o saci ficara preso na peneira.

.

Depois bastava colocar uma garrafa de casco escuro por baixo dela, com a gurizada em volta a gritar e a criar a mágica.

Amedrontado o saci abrigava-se dentro da garrafa.

Rápido a garrafa era fechada com uma rolha, que antes fora banhada na água benta da capela católica.

Claro, senhora leitora, que o padre não gostava...

No decorrer do ano o saci se prestava para procurar coisas perdidas.

Como, por exemplo, bolinha de burca esquecida em algum canto.

Para encontrá-la pegávamos a garrafa onde o saci estava preso e espalhávamos fumo picado no chão dizendo:

___ Saci, vou soltá-lo. Mas você tem que encontrar o que perdi.

O fumo era o voto de confiança para atraí-lo.

Saci bom sempre encontrava o que tinha de ser encontrado.

Adulto, ao começar a usar computador meu amigo Eliezer avisou:

____ Internet é como garrafa de saci e agosto. A gente encontra de tudo, inclusive cachorro louco.

Navegando sempre encontro algum, raivoso, babando, furibundo.

Lobisomem, cachorro-louco, bichos do mesmo gênero e espécie,

prometem ser muitos neste agosto, véspera de eleições.

Nessa hora é bom comportar-se como o Coronel Ponciano:

“Num repente, relembrei estar em noite de lobisomem

– era sexta-feira. (...) Já um estirão era andado quando,

numa roça de mandioca, adveio aquele figurão de

cachorro, uma peça de vinte palmos de pelo e raiva. (...)

Dei um pulo de cabrito e preparado estava para a guerra

do lobisomem.

Por descargo de consciência, do que nem carecia,

chamei os santos de que sou devocioneiro:

- São Jorge, Santo Onofre, São José!"

Como descreve no livro o ilustre membro da Guarda Nacional, a realidade aos poucos mata a magia.

Mas penso que ela resistirá;

pois que a imaginação é livre;

capaz de voar longe;

escapar de cachorro louco;

de garrafa de casco escuro;

e de não se prender a nada.

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As citações foram extraídas do romance "O Coronel e o Lobisomem" (1964), de autoria de José Cândido de Carvalho. Conta a história do Coronel Ponciano de Azeredo Furtado, membro da Guarda Nacional, que viveu a infância em Mata-Cavalo (alusão à casa de Dom Casmurro).

Quixotesco, o personagem trava luta inglória contra a civilização e o moderno; debate-se em defesa do mágico contra o racional, do surreal contra o real. José Cândido nasceu em 1914 em Campos, RJ, e faleceu em 1989, em Niterói. É também autor de “Olha para o Céu, Frederico!” e “Ninguém Mata o Arco-Íris”.

Escritor de leitura obrigatória.

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Obrigado pela presença.

Sajob - 05/agosto/2014