Samba e Suor

Era noite de lua cheia, época da escravidão. Da casa grande o Coronel Viramundo observava a grande roda de seus escravos no terreiro. No entanto seu olhar se perdia nos movimentos de Lindinha. A filha de uma das escravas, tornou-se aquele mulherão! Tal mãe, tal filha! Sorriu.

Na verdade, o “mulherão” era uma jovem que estava comemorando o seu aniversário de 17 anos. Pele escura, seios fartos, coxas roliças, cabelos ondulados e longos, olhos graúdos e esverdeados mostrando claramente, a mistura étnica... parecia que havia uma mola na cintura da jovem. Sambava na grande roda, gargalhando das brincadeiras dos companheiros. Ao tentar sair, logo era abraçada e devolvida ao centro. Maria Linda estava radiante naquela noite.

A sua felicidade era contagiante. O coronel Viramundo de repente começou a sentir a necessidade de se aproximar de Lindinha. Queria também ser abraçado por aquela menina-mulher que exalava vitalidade. Olhava ao redor, via o seu império construído, mas vazio, sem risos, sem barulho. As pessoas pareciam que voavam em sua presença para não incomodá-lo. Até a sua esposa, Sinha Alma, nenhuma emoção esboçou quando foi avisada há mais de um ano que ela mudaria de quarto, pois a partir daquela data ele gostaria de ficar sozinho. Quando precisasse, ele a procuraria... Sinha Alma aguardava a vontade do coronel.

Coronel Viramundo sentia que o seu corpo pedia aquela menina-mulher... Teria que fazer algo. E fez, através de outro escravo de casa, descobre se tratar de uma festa de aniversário... manda uma boa quantidade de bebida para os escravos, mas pede a presença da aniversariante na casa grande.

Maria Linda chega até Viramundo :

_O Sr. coronel precisa de mim?

Ao vê-la de perto ela fazia jus ao nome, belíssima. Como aquela menina crescera rápido! Observa a blusa branca na pele negra, sente que estava ofegante, via os fartos seios desenhados e molhados de suor...

_Sim, quero que dance da mesma forma que estava dançando lá no terreiro! Sambe só para mim!

_ Sam...bar?! Senhor. Sambar?!

Sambe, agora! Dê-me o seu melhor sorriso! Beba isso! Você não quer que eu vá lá fora e acabe com a sua gente no tronco?!

Era uma ordem estranha, mas Lindinha era escrava, devia-lhe obediência... Sua mãe trazia marcas de queimaduras pelo corpo ao tentar resistir aos caprichos do outro coronel, pai de Viramundo... E passa a sambar, inicialmente tímida. Depois, após a bebida, solta-se na dança sensual. E o coronel não resistiu... Mais tarde ele diria que a culpa era dela que o seduziu com uma dança!

Viramundo rodopiou o mundo nos braços de Lindinha. Do submundo que ele a conduziu, era samba e suor... Ela ainda tinha que aguentar as piadas das outras escravas que passaram pelos mesmos dramas patronais: Que negrinha assanhada!

Até hoje, Linda, mesmo com uma alforria debaixo do braço, luta para combater os estereótipos e preconceitos contra a mulher negra. Conseguiu grandes vitórias: sair da senzala, ir para a escola, entrar na política, escrever livros, trabalhar no serviço público, ir para a televisão... mesmo em cotas, alguns obstáculos foram superados. Vez ou outra, sofre discriminação devido a cor da pele. Não se incomoda, anda de cabeça erguida, porque o tempo de sambar para o coronéis ficou para trás.

Um domingo de paz!

Elisabeth Amorim

Bahia/2014