A VACA FOI PRO BREJO

Meu sitio eu considero um local especial, o chamo de meu Pedacinho do Céu. Lá já tivemos vários acontecimentos mirabolantes, alguns dos quais eu já contei, este, porém foi sugeris e foge um pouco da realidade tradicional.

Eu e a família, sempre que possamos lá vamos nós, como se fala aqui no interior de mala e cuia para o nosso cantinho.

Praticamos esporte. Pescamos. Jogamos truco, pôquer, e o tradicional churrasco de final de semana. Às vezes chega a ter até 30 a 40 pessoas, todas sorridentes e felizes.

Ultimamente a seca tem causado um grande estrago em nossa mata e plantas. Tenho um pequeno rio que corta a propriedade de cabo a rabo, fazendo o limite entre a minha propriedade e a do vizinho, criador de gado de leite.

Adoro acordar de manhã cedo e sentar no balaústre que faz a divisa entre a piscina e o meu gramado e dali ficar observando os animais pastando. Existe, porém uma vaca malhada, que parece sentir alguma atração pela minha pessoa, ou então por algo que a atraia aqui do meu lado.

Certa vez o meu neto, Gustavo também percebeu os olhares da vaca malhada.

--- Vô, não sei não, mas acho que aquela vaca esta com má intenção, ela fica o tempo todo olhando para cá. – o que o senhor acha?

Menino esperto.

--- você tem razão Gu, só não sei o que tanto ela olha.

Não terminei a frase e o neto deu um mergulho profundo, jogando agua em meu corpo inteiro, levantando a cabeça depois, perguntando.

--- gostou Vô. E riu descontroladamente.

Vocês podem não acreditar, foi neste instante que a vaca malhada deu um longo mugido, como se também risse da peraltice do neto.

Como eu disse a falta de chuva praticamente secou o rio, esta semana fiquei triste ao ver a grama seca, o gado pastando cansado, quase sem alimento para comer.

Voltei para minha casa e meu trabalho, pedindo a Deus que mandasse um pouco de chuva, para aliviar a seca que afeta Lagoinha, a cidade do meu cantinho no Céu.

Calor sufocante. Muito trabalho no hospital, agitação da eleição presidencial. Infelizmente não teria condições de ir para o sitio.

Devia passar das 14 h, quando o meu celular tocou insistentemente, eu estava operando, não o atendi.

Aparelho danado voltou a tocar, então pedi para a enfermeira ver quem ligava. Ela olhou e me disse.

--- aqui esta escrito simplesmente DI.

--- atenda, por favor, é o meu caseiro do sito. – disse eu, ainda operando.

--- ele quer falar com o senhor urgente.

--- ok. Fala que eu ligo assim que terminar a cirurgia.

A enfermeira deu o recado e desligou o aparelho.

Enquanto operava, eu fiquei pensando no que poderia ter acontecido, para o Adriano, o Di meu caseiro ter ligado com tanta urgência.

Será que o sitio tinha sido roubado.

Uma chuva forte, e as antenas parabólicas tinham sido afetadas.

O que teria realmente acontecido. Confesso que fiquei curioso, mas a cirurgia era complicada e eu precisava me concentrar no que fazia.

Depois de duas horas a cirurgia terminou, a paciente estava estável, e foi encaminhada para a recuperação.

Peguei uma nova muda de roupa e fui até o banho, o calor era intenso e eu tinha suado muito durante o ato cirúrgico, foi um alívio aquele banho de agua refrescante.

O que teria acontecido no sítio. Enxuguei-me rapidamente e peguei o celular.

Na primeira vez o meu caseiro não atendeu. Quem não conhece o Di, um dia precisa conhecer. Aqueles que lerem esta história se um dia quiserem conhecer uma pessoa que transmite a vontade de viver, venha até o sítio, eu os convido de coração aberto.

Liguei uma segunda vez.

Di atendeu.

--- doutor aconteceu uma desgraça. – ele falava com a voz ofegante, como se tivesse feito um grande esforço.

--- o que aconteceu amigo, que desgraça é essa para deixar você tão preocupado.

--- doutor até que a desgraça não é tão grande, deixa por minha conta que eu resolvo.

---- o que foi que aconteceu, as lontras comeram todos os peixes, diga que não foi isso.

--- não doutor não foi isso.

--- então caiu um raio e queimou todos os aparelhos eletrônicos, foi isso Di?

--- não doutor também não foi isso.

--- já sei, caiu uma chuva de pedra e perdemos toda a nossa horta, foi isso.

Di riu da minha ansiedade.

--- também não foi isso doutor.

--- cacete Di, então diga logo o que aconteceu.

--- estou querendo contar doutor, mas o senhor não deixa.

--- desembucha logo então. – retruquei esperando por coisa pior.

Di é danado, ele tem dificuldades motoras, e de articulação das palavras, mas sua inteligência é algo fora do normal. Ele sabia fazer suspense.

--- foi à vaca malhada doutor.

--- meu Deus, não diga que aquela belezura morreu, eu vou ficar muito triste. – comentei.

--- quase doutor, foi por pouco, mas ela deu um prejuízo danado.

--- prejuízo para quem, o vizinho é rico, tem muito gado, não vai ser um prejuizinho que abalara suas finanças. – retorqui, pensando o que poderia ter acontecido.

--- doutor o prejuízo foi nosso.

--- nosso como, a vaca não é minha, se bem que se ele quisesse vender eu até que compraria.

Di riu descontroladamente.

--- então acho bom o senhor comprar, porque ela não vai sair da sua propriedade tão facilmente depois do que ela fez.

Di estava me deixando ainda mais curioso.

--- vamos, deixe de disque me disque e fala logo, o que essa vaca danada aprontou no meu sitio.

Escutei uma nova gargalhada.

--- ela mergulhou na piscina doutor, e deu um trabalho danado tirar a malhada de lá, ela parecia não querer sair de jeito nenhum. Tive que chamar quatro homens, e mesmo assim ela saiu à contra gosto.

Comecei a rir, imaginando a cena da vaca malhada mergulhando em minha piscina. Pela primeira vez a vaca não tinha ido para brejo, mas sim tomado um banho de agua cristalina.

Ainda rindo perguntei.

--- e qual foi o prejuízo, a piscina é de fibra, danificou?

--- não doutor, só a lona, ela rasgou ao meio, mas não se preocupe eu vou falar com o vizinho, ele é gente boa, com certeza vai pagar o estrago.

--- isso é o de menos Di, o principal é que ela esta bem, troca a agua da piscina, aproveita para limpar bem o fundo, este final de semana eu vou para o meu cantinho. E a malhada, onde está?

--- coloquei em nosso curral, porque a danada não quer voltar para a terra do vizinho.

Di riu abertamente.

--- então aproveita e veja se ele vende à danada, eu gosto dela, quem sabe uma vez por ano nós a deixamos tomar um banho de piscina.

Eu e o DI, rimos.

--- só o senhor mesmo doutor, fique com DEUS.

O caseiro se despediu.

--- você também fique com Ele.

A VACA FOI PARA O BREJO