O BIMOTOR
Tínhamos ido para o sítio na sexta à noite. Queríamos dormir próxima à lareira, e sonhar com o amanhecer de sábado. Estava somente eu, a Aline e a Karol. Fizemos um fondae, nem sei se é assim que escreve, de queijo e dormimos com o calor da brasa incandescente.
O sábado amanheceu lindo, sol, calor intenso.
Limpei a piscina, retirei as cobertas da mesa de bilhar e pingue-pongue, preparamos o café da manhã.
Depois já enfastiado, fomos caminhar pela estrada que circunda a minha propriedade. Flores, árvores, pássaros, vacas, cavalos, um cheiro de estrume no ar que adivinha das propriedades leiteiras.
Na volta chupamos laranja, bebemos água pura da vertente, e pegamos hortaliças em nossa horta.
Olhei para o relógio do celular que marcava 10.30, acendi o fogo da churrasqueira e fui pegar a minha primeira cerveja do dia.
O estresse da semana toda iria embora como o vento que acudia suave sobre a relva verde próximo ao pesqueiro.
O fogo da churrasqueira pegou rápido. A água da piscina estava cristalina, eu mergulhei e senti o corpo se refrescar. Meu caseiro estava há alguma distancia capinando próximo à porteira. Aline tomava banho de sol. Karol preparava a mesa para um jogo de conquistas que até hoje eu não sei o nome.
Paraíso.
Conversávamos eu e Aline, sobre os acontecimentos ocorridos durante a semana no hospital. Eu médico ginecologista e obstetra, ela enfermeira da UTI adulto. Os casos são muitos e gostamos de repassá-los, assim evitamos que erros sejam cometidos no futuro.
De repente ouvimos um barulho a distancia, parecia uma moto destas que fazem trilha, e provocam um onde de pó pela estrada de terra batida.
--- amor. – disse Aline, olhando em direção à estrada. --- acho que é um daqueles malucos que passam erguendo poeira na estrada.
--- sem dúvida. – resmunguei ingerindo uma boa dose da cerveja gelada.
Normalmente o barulho passa rapidamente, este, porém continuava soprando em nossos ouvidos com uma frequência intermitente e cada vez mais alto.
Eu e ela olhávamos para a estrada. O meu caseiro olhava para o Céu.
O som ia aumentando.
--- caramba Aline. Esse cara vai entrar no sitio. – reclamei, olhando para estrada sem nada ter visto.
--- maluco. – disse ela, ajeitando o biquíni, e colocando o ray-ban.
O som desapareceu por encanto. Finalmente. Pensei.
Nisso percebo o caseiro vindo em direção de onde estávamos. O senhor José é alto, deve ter mais ou menos 60 anos, tem problemas de saúde, mas corria feito criança.
O que tinha acontecido? Para ele correr afoito em minha direção.
--- doutor o senhor viu? – perguntou, apontando para o Céu e em direção à montanha que fica bem em frente à piscina.
--- viu o que s.r. Zé?
--- o avião... Ele passou rasante sobre o nosso pesqueiro, subiu novamente e desapareceu por trás da montanha, eu vi.
--- tem certeza. – disse eu já saindo da piscina, sem largar a minha latinha de cerveja.
--- tenho. Juro por estes olhos que a terra há de comer.
--- se você esta dizendo eu acredito. --- amor, por favor, pegue outra latinha, vamos subir a montanha e ver aonde este avião caiu.
Aline desconfiada.
--- será... Acho que o seu Zé esta vendo coisa. – retrucou indo pegar o néctar dos deuses para que eu pudesse iniciar a caminhada.
Assim, com a latinha cheia, resolvemos subir a montanha, ofegantes, e pisando no estrume, pois o local é pasto para as vacas leiteira do vizinho.
Enquanto fazíamos essa caminha exaustiva, percebemos que alguns carros e motos seguiam pela estrada levantando poeira.
Já cansados chegamos ao topo da montanha e vimos junto ao platô ainda há alguma distancia um bimotor embicado no meio do milharal.
A história era verdadeira, o meu caseiro não estava maluco.
Modéstia a parte eu tenho um bom preparo físico, apesar da minha idade já estar virando o Cabo da Boa Esperança. Mantive a latinha tapada com o dedo e corri em direção ao aparelho voador, criado por Santo Dumont.
Cheguei a tempo de abrir a portinhola para o piloto assustado, branco que nem cera, que olhava em minha direção como se o Salvador da Pátria estivesse chegando.
--- tudo bem, machucou? perguntei, olhando em seu rosto em suas mãos e suas pernas procurando algum sinal de sangue. --- sou médico. – disse finalmente, sorvendo um gole da cerveja geladíssima.
O piloto sorriu abertamente.
--- tudo bem, não estou ferido. – soltou o cinto de segurança, e olhou em minha mão.
--- é SKOL. – perguntou sorrindo.
--- sim, é SKOL. – respondi.
Ele esticou a mão em direção ao líquido gelado e refrescante.
--- essa desce REDONDA.
Passei-lhe a latinha. Fiquei esperando. Foi um gole longo e prazeroso. Percebi que naquele momento ele tirava o estresse do pouso, a dificuldade da semana, e o prazer de estar vivo.
A latinha voltou para as minhas mãos vazia.
Hoje eu a tenho guardada lá no sítio, como lembrança deste dia.