FOI MAL MEU IRMÃO

A cidade de Belo Horizonte – MG até meados da década de 1970, não havia muitas opções de lazer, não existiam shoppings, computadores, celulares etc. Havia apenas o comércio formal, no centro da cidade e quase nenhum nos bairros. Por esse motivo, naquela época, as brincadeiras e diversões da garotada aconteciam no meio das ruas. Estas, em sua maioria, não tinham rede de esgoto, muito menos pavimentação. Eram de terra com muito mato, pés de mamona(as quais usávamos para guerrear), bucha vegetal etc.

Havia tanto mato nas ruas que alguns grupos de adolescentes faziam “cabaninhas” e ficavam ali conversando, fazendo farras, molecagens. Faziam até pique-niques.

Esse contexto era propício para atividades mais rudimentares, como: jogar bola, bente altas, rouba bandeiras, garrafão, finca, bolinhas de gude, tico-tico-fuzilado, andar de bicicleta, soltar papagaios etc.

Brigas entre os garotos eram bastante comuns e não havia um dia sequer sem que pelo menos dois se engalfinhassem. Afinal, as vias de fato se constituíam em mais uma forma de entretenimento e diversão.

Quando os brigões ficavam na fase de aquecimento, naquele vai não vai, os que estavam de fora cuidavam de inflamar os ânimos. As artimanhas utilizadas, embora de conhecimento de todos, surtiam os efeitos desejados sobre os brigões. Eram mesmo infalíveis: “chamou sua mãe de perereca”, ou, posicionando a palma de uma das mãos à altura dos rostos dos oponentes, dizia: “quem for mais homem cospe aqui”. Aquele que se julgava mais valentão mandava então a cusparada, momento em que o “provocador” retirava a mão e o cuspe atingia em cheio o rosto do outro. O sangue fervia e os dois entravam em franca luta corporal.

Certa vez eu estava em companhia de dois outros irmãos mais velhos. Eu devia ter em torno de 10 anos, enquanto o meu irmão Kika deveria ter 14 anos e o outro, o Nenem, deveria contar 15 anos de idade.

Meus irmãos entraram em discussão com um colega nosso, o Zé Antônio. Este deveria ter uns 17 ou 18 anos, era bem maior que todos nós e era gordo. Não me lembro porque razão, embora isso pouco importe, pois normalmente os motivos eram fúteis.

O “pau começou a quebrar” e embora fossem dois contra um eu não os via com muita chance, visto que o Zé Antônio era bem maior e mais forte.

Meus irmãos utilizavam a tática de atacar simultaneamente o oponente, cada um por um lado, buscando deixá-lo sem saber de onde viria a próxima investida. Mas era preciso tomar cuidado para não serem alvejados, pois um golpe desferido por ele poderia levar o atingido a nocaute.

Mais ariscos conseguiram pular, cada um de um lado das costas do Zé Antônio, dando uma “gravata” nele, que começou a ficar vermelho e sem ar. Para se livrar deles o brutamonte deu uma violenta sacudidela espalhando os dois, cada um para um lado.

Muito enfurecido ele partiu para cima deles, querendo tirar a desvantagem. Vendo que a coisa estava ficando feia, fiz menção de entrar na briga, mas o Zé Antônio me advertiu: “não entra não Rafael, que eu vou te machucar hein!”. Continuei a esboçar um ataque e ele, sem desviar a atenção dos outros dois, fez nova advertência, dessa vez mais enfática.

Reconhecendo a minha fragilidade peguei uma laranja podre e fiz pontaria para acertá-lo. Esperei o momento certo e arremessei a fruta bolorenta com toda a minha força. A cítrica esverdeada se espatifou no rosto do Neném, meu irmão mais velho, espalhando por sua boca, ouvido, olhos e cabelo.

Esse fato fez com que os ânimos se arrefecessem e embora novas ofensas verbais de um e de outro lado se seguissem, o Zé Antônio se retirou para um lado e nós três para outro.

Rafael Arcângelo
Enviado por Rafael Arcângelo em 19/11/2014
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