O BARBEIRO

A região onde eu moro, existem muitas cidades que ainda mantem um ar pitoresco, angelical, quase que Saramandaiano, para quem assistiu à Novela dos anos 80.

Meu Pedacinho do Céu fica em uma dessas cidades interiorana, de vida pacata, onde o tempo para não passar. Onde as pessoas se cumprimentam, com bom dia, boa tarde, boa noite. Tem missa de manhã, tem missa a noite, tem coreto, tem gente humilde, tem bolinha de gude, pipa, jogo de bola, jogar pião, ou seja, é um tempo que parece que parou, e que não tem vontade nenhuma de avançar.

Esta semana eu fui para o meu recanto, estava cansado do trabalho exaustivo da semana, que não sei por que, se mudança de Lua, o se por causa dos incentivos alimentícios da nossa presidenta a população cresce em proporções geométricas.

Cheguei à cidade, que parecia em festa, a pracinha estava cheia de pequenas barracas, alguns artesões, um carro da polícia, com dois policiais que conversavam animadamente. A vantagem da cidade pequena é que o bandido é tão conhecido, que ele prefere ir fazer suas malandragens em outras cidades, onde ele pode se esconder no meio de uma grande população.

Descarreguei minhas roupas. A cerveja. A picanha. A costela. O meu filho, a minha nora e meus netos lá já estavam, e ainda dormiam, devo ter feito algum barulho, na verdade intencional, pois liguei o som na rádio da cidade, gosto de ouvir as modas de viola.

Carol foi quem acordou primeiro. Cumprimentamo-nos, disse que eu ia para a cidade e se ela precisava de alguma coisa.

--- estou com cólica, e quero tomar uma cerveja a tarde, por favor, traga Buscopam e se possível alguns comprimidos de Omeprazol.

--- tudo bem. Vou comprar pão, mortadela, presunto. Fazer o meu jogo, e comprar uma capa para por no colchão de casal que eu trouxe, para ver se ele fica mais bonitinho.

Ela riu.

O colchão era dela, e estava bem rasgado e eu o trouxe junto com um montão de brinquedos que iríamos distribuir durante os dois dias que íamos ficar no sitio.

Ajeitei tudo da melhor maneira possível. Coloquei bermuda. Chinelos de dedos peguei a minha carteira, meu jogo da Mega que faço há muitos anos. Tenho certeza de que um dia vou ganhar.

E lá fui eu a caminho de Lagoinha.

Primeiramente parei para fazer o jogo da Mega, aproveitei comprei um bilhete da federal e fiz um jogo da Loto Fácil, que de fácil não tem nada.

De repente me deu uma vontade de cortar o cabelo, não tenho muito, pois a idade consumiu uma boa parte e a outra pelos problemas que a vida nos dá, mas ainda existem cabelos para serem aparados e dar uma fisionomia mais alegre.

Perguntei para a mocinha que fizera o meu jogo.

--- tem algum barbeiro aqui por perto.

--- tem sim. Vire na primeira a direita e a segunda a esquerda tem dois barbeiros na mesma rua.

Estranho pensou. Uma cidade tão pequena com dos profissionais na mesma rua, concorrência desnecessária poderia ficar um em cada rua.

Fui caminhando. É gosto caminhar em cidade pequena, as pessoas se vestem de maneira diferente, falam de maneira diferente.

Te e agem de maneira diferente.

Os dois salões de barbeiro ficavam um ao lado do outro, fui naquele que tinha mais gente, porque sem dúvida deveria ser o melhor, havia uma fila, adultos e crianças. Não queira ficar esperando, pois o meu Pedacinho do Céu estava me esperando.

Fui até o segundo barbeiro que estava vazio, vazio mesmo, a porta aberta, mas nem o barbeiro estava no local. Um cliente que estava esperando na fila no primeiro barbeiro foi que deu uma explicação, ele não fica ai esperando os clientes, deve ter ido até o Mercado, mas daqui a pouco ele volta.

Pensei. Precisava comprar a capa para embalsamar o velho colchão, então fui até a loja, demorei mais ou menos quinze minutos para fazer minha compra e voltei com o pacote na mão até o barbeiro. O primeiro, com uma fila enorme, e no segundo um senhor sentado no primeiro degrau que dava acesso até a cadeira do barbeiro.

--- bom dia. Disse eu, imitando as pessoas da cidade.

A resposta foi seca

--- bom dia.

--- o senhor é o barbeiro? –indaguei olhando para ver se havia mais alguém dentro da barbearia.

--- sim.

--- quero cortar o cabelo.

--- entre.

Entrei. Os móveis eram muito antigos. Havia uma garrafa de aguardente em cima de uma mesa. O rótulo ENTORTA, MAS NÃO CAIO.

O barbeiro tinha um copinho, uma medida, ele encheu e deu uma talagada rápida como um corisco. Enxugou a boca com o antebraço, que usava um avental surrado. Foi quando eu percebi que sua mão tremia.

Ele olhou para mim. Acho que minha eu devia denotar face de assustado.

Suas mãos pararam de tremer repentinamente.

-- esta é das boas, esta vendo, basta uma dose e a mão fica firme igual esteio de mourão.

Eu já esta sentado na cadeira, arcaica por sinal. O espelho arredondado a minha frente estava trincado, eu me via pela metade.

Ele pegou a tesoura e demonstrou uma agilidade que sinceramente eu não acreditava, parecia um verdadeiro EDWARDS MÃO DE TESOURA. Começou a contar de um lado, quando chegou próximo a minha orelha direita sua mão começou a tremer novamente.

--- um momento. – disse ele.

Foi até a garrafa, encheu a medida certa e novo gole, lambeu os beiços, como se tivesse comido caviar. Voltou para o seu trabalho.

Ágil. Rápido, compenetrado com sua profissão.

Em poucos minutos meus cabelos estavam cortados, precisava fazer o contorno com a navalha. Foi ai que eu quase borrei a calça.

O exímio cirurgião, digo barbeiro, pegou sua navalha, estiou uma cinta de couro e começou a afiar seu objeto de trabalho olhando em meus olhos, que com certeza estavam mais do que abertos, estavam quase fora das órbitas.

Terminada o serviço de amolar, e abaixou até o chão, pegou um fio de cabelo, dos mais compridos que ele achou e soltou sobre a lamina, o fio se partiu em dois.

Pensei em levantar-me, agradecer o serviço prestado, pagar e sair correndo.

Suas mãos começaram novamente a ficar tremulas. Escutei ele falar baixinho consigo mesmo.

--- agora não, agora é hora de você ficar quietinha mão maldita.

Passou por trás da cadeira onde eu estava sentado, pegou um copo duas vezes maior do que aquele que ele tinha usado anteriormente encheu de aguardente, e tomou em um só gole.

Depois, veio em minha direção. Senti um calafrio percorrer o meu corpo. Meu Deus acho que minha hora chegou. Pensei.

O barbeiro, como uma agilidade incrível passou à navalha próxima a orelha direita desceu contornado meu órgão auditivo, pescoço, subiu junto à orelha esquerda, chegando até a costeleta esquerda, mais rápido que o Sena, nos tempos que tínhamos algo para ver nas corridas de fórmula um.

Olhei para o espelho e me vi mais jovem. Cabelos cortados, olhos assustados. Foi quando ele pegou a aguardente colocou um pouco na palma da mão dividiu entre a outra e passou por onde há minutos atrás a navalha tinha passado. Concluindo.

--- DEZ REAIS. Este é o melhor antisséptico que eu conheço.

Levantei-me da cadeira rapidamente. Será que ele sabia o que era antissepsia. Paguei e sai dali, foi quando eu percebi que estava molhado. Calma meus amigos. Juro era suor, em Lagoinha faz muito calor.