O CARROCEIRO, O BURRO, A CARROÇA E O KIKA

No sábado, 22 de dezembro de 2012, a Filomena contratou os serviços de um carroceiro para descartar toda a tralha retirada, por ocasião do mutirão de limpeza do galpão da casa da nossa família, no bairro Santa Efigênia – BH, inclusive a toca do Chicão – o ratão de estimação do Kika.

Não demorou muito e o carroceiro tocou o interfone, alvoroçando ainda mais o Zizu, o cachorro que já se encontrava agitado, por perceber a proximidade do equino.

O contratado desceu para avaliar a carga, sentindo-se um pouco desanimado em perceber que teria que subir e descer dezenas de vezes aquela rampa com aproximados 45º de angulação.

Percebendo isso, o Kika falou para ele:

― Ô, purquê qui ocê num desce a carroça aqui?

― Cê tá doidu moçu, si eu intrá eu num consigu sai carregadu não!

― Qui num consegui u quê sô. Si u seu burru num aguentá eu ajudu ele!

― Não moçu, eu num vô descê não!

― Pó descer sô eu garantu. Eu já carreguei até um cavalu nas costas. Si ocê tá duvidanu, pergunta u Linu. Foi ali na rua Euclásio, defronte u Sô Henriqui.

― Óia moçu!

O moço foi assim, persuadido a descer com a carroça. Posicionou-a de ré e manobrou cuidadosamente, descendo até a parte plana.

Ajeitou a carga no interior da carroça, tendo chegado a hora de deixar o local.

― Ô moçu, comu qui cê chama mesmu?

― Kika.

― Ô Kiku , ocê é o Kiku do Chaves? Tá na hora de subi. Acho qui num vai dá não.

― Dá sô!

― Eu vou na frente guianu e ocê ajuda a puxá.

― Intão vão. Cê deu milhu e capim prá esse burru?

― Ôxe!

Afrouxada a rédea, chão riscado com a lambada do chicote, o gesto característico com os lábios, eia, eia, vamu, vamu, bora cochu, bora!

E o cavalo saiu a toda.

No meio da rampa os varais da carroça levantaram, deixando o burro mais leve, as patas dianteiras começaram a patinar, as traseiras não suportaram e os quatro: carroceiro, burro, carroça e o Kika, voltaram descontrolados.

Com muito custo, já na parte plana, o carroceiro conseguiu controlar a situação.

Assustado e suando bicas, falou:

― num ti falei qui num dava?

― É qui nós num pegamu imbalu sô. Vão saí mais de traz qui dá.

― Óia Kiku, cê tá fazenu bestera igual u Kiku do Chaves mesmu.

― Agora eu garantu. Eu vô impurranu atrás e ocê controla na frente. Mas é prá pô essi burru prá corrê. Achu qui ocê num deu capim prá ele hoje não.

― Oxenti, cê fala muitu sô! Intão vamu.

Rédeas meio tensas, carroceiro à frente do conjunto, chicote no lombo, eia, eia, força cochu, bora cochu, bora.

Pocotó, pocotó, pocotó e novamente refugo. É um empurra de cá, um puxa de lá e a carroça voltou desgovernada em direção ao Voyage seminovo e contra a pilastra de sustentação da coberta pela qual eu paguei árduos 500 (quinhentos) dólares por uma vaga. Misturou tudo, não se sabia quem era quem.

Com o relinche apavorado do burro, já deu para identificar um.

Pálido, suado e com o coração acelerado o carroceiro falou assustado:

― Num falei procê sô Kiku.Falei qui num ia dá certu?!

E ele respondeu:

― Também pudera, num era procê inchê a carroça dessi jeitu não.

Chegaram assim, à conclusão que, apesar de ter caído parte da carga, ainda seria necessário retirar mais algumas dezenas de quilos da carroça.

Com essa medida tomada, conjugada com o aperfeiçoamento das técnicas de tração, lograram êxito, afinal.

Rafael Arcângelo
Enviado por Rafael Arcângelo em 13/01/2015
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