O JEEP DE GUERRA

O JEEP DE GUERRA

Seu João Quebra Queixo quando o dia amanhecera

estava mais casmurro do que aquele personagem do livro de

Machado de Assis. Mas viu que o dia estava uma beleza, os pás-

saros cantando, o vento assobiando nas folhas das árvores e a

araponga cantando na mata dando sinal de que a chuva iria mo-

lhar o chão ressecado logo, logo.

Como de costume tomou o seu café da manhã numa ti-

gela de barro com aselha, acompanhado de cuscuz de milho, tapi-

oca e carne seca. Depois de encher a pança chamou o seu filho

e ordenou que ele fosse chamar o motorista. Deveria ir pagar uma promessa na cidade de Canindé, suas orígens, promessa essa

que fizera com São Francisco das Chagas, padroeiro daquela cidade.

Santo milagroso. Nunca deixara na mão quem a ele recorresse.

Bom, seu João havia pedido o caminhão do coronel, mas estava com defeito e o coronel lhe emprestara um jipão alto, americano, tração nas quatro rodas, que já havia levado as tropas americanas e inglesas para

para lutarem com os alemães da soldadesca do "Raposa do Deserto", Marechal Von Rommel. Jipe forte, no qual havia ainda umas perfurações de bala dos fuzis 7.62, mas que ainda estava em bom estado.

Mas para encurtar esta estória, vamos direto do assunto.

Seu João resolveu ir pela estrada que ia em direção a Fortaleza e perto de Caucaia dobrar para a que dava para Canindé. O caminho era mais longo, mas mais seguro, apesar dos cameleões ou catabilhos como chamavam na época às reentrâncias formadas na própria estrada. Tomba aqui, tomba ali e la ia o motorista Ramundo Bezerra apertando o pé no acelerador, a

fim de diminuir os solavancos do jipão. Quanto mais apertava o pé mais o jipão comia gasolina. Parecia um bezerro mamando leite da mãe. Quanto mais apertava as tetas mais leite saía. Nesse balanço sem fim, a uns 30km antes de Canindé, Ramundo Bezerra disse pra seu João que a gasolina estava acabando. Tinha o máximo um litro. Seu Joao pensou rápido e falou para o motorista:

- Raimundo Bezerra mete o pé na tábua até o máximo.

O jipão gemeu e chegou a 120 milhas que para quem não conhece

se aproxima de 180km. Todos os carros americanos mediam em milhas.

Na cabeça de um alto, seu João grita para Raimundo :

- Bota o carro na banguela Ramundo e tira o pé do acelerador.

Então, o jipão sobe alto, desce alto, aclives e declives, e vai varando a

estrada. Seu João grita:

- Fecha a ignição motorista.

E nesse sufoco os 30km foram consumidos rapidamente e chegaram em

Canindé, junto a um posto de gasolina com aquelas bombas ainda manuais. Foram por o combustiível. O bombeiro, hoje chamado de frentista, foi medir a gasolina com uma vareta, depois que seu João contou a estória e disse que ainda havia 3\4 de litro de asolina no tanque.

Ora, neste momento a frente do mercado público onde seu João contava a estória estava apinhada de gente. Todos calados. Mas surge do meio da multidão o safado do Zé Capote que perguntou:

-Mas seu João o senhor disse que o jipe comia mais gasolina do que um leão come carne quando está com fome. Como esse danado rodou 30km com um pouquinho do litro de gasolina que restava?

Seu João esbugalhou os olhos, deu um salto felino sobre o pobre Zé Capote e o agarrou pela goela. Zé capote já estava com um palmo de lingua fora da boca, os olhos quase saindo das órbitas e seu João a vociferar.

- Vou te esganar cabra filho de uma égua, para nunca mais você zombar

da palavra de um homem sério e que só fala a verdade.

Foram precisos cinco amigos para afrouxarem as manoplas de seu João e retirá-las do pescoço de Zé Capote que saiu em disparada sufocado pela falta de fôlego e buscando ar e água para amenizar aquele tremendo mal estar.

Seu João afirmou que o fato ocorreu em 1940, em plena II Grande Guerra.

Antonio Tavares de Lima
Enviado por Antonio Tavares de Lima em 05/03/2015
Reeditado em 23/04/2015
Código do texto: T5159159
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