O Batizado do Cachorro
 
Essa é uma estória de trancoso, fiz só umas adaptações engraçadas.

Havia no pé da serra certo coronel de muitas posses, viúvo e sem filhos, que tinha no seu cachorro vira-lata o único amigo e companheiro de vida.

Ora, o coronel era homem muito piedoso e tinha pavor das estórias de inferno, do diabo e dos demônios.

Certa noite o coronel acordou assustado, suando e tremendo. Tivera um pesadelo. Nele, o seu fiel amigo estava no inferno dos cães, sendo torturado de diversas maneiras pelos demônios caninos. Um dos castigos consistia em prender um pedaço de carne na ponta de um anzol e descê-lo até o buraco de fogo em que o cachorro estava, içando-o toda vez que o pobre ia dar uma dentada.
Ainda no sonho, enquanto o coronel assistia a tanto sofrimento sem nada poder fazer, uma voz lhe dizia: "Sabe por que ele está sofrendo tanto? Porque é pagão. Seu egoísta, não tem vergonha de deixar o seu melhor amigo sem a proteção de Nosso Senhor?
O coronel acordou com essa voz ecoando em sua cabeça. Ao pé da cama, o velho amigo dormia a sono solto, sonhando com pedaços de carne, cadelas e carinhos do dono.

Mal o dia amanheceu o coronel botou a coleira no cão e rumou para a cidade. Chegando lá, foi direto à Igreja. O Padre acabara de rezar a missa da manhã, ainda estava com as vestes sacerdotais.
Após as saudações devidas a gente importante, o Padre ouviu boquiaberto o que levara o coronel à igreja tão cedo: queria batizar o cachorro imediatamente.
O Padre ficou fulo. Não ia batizar de jeito nenhum, que aquilo era um sacrilégio, uma afronta, um desrespeito à Santa Igreja Católica.
O coronel não desistiu do seu intento. Pediu, implorou, argumentou.
"Não batizo", disse o padre com firmeza.
Aí foi o jeito o coronel recorrer ao último recurso. Tirou do bolso um conto de réis. O padre só espiando a arrumação pelo canto do olho.
"Não batizo", disse, dessa vez olhando com ternura para o cachorro.
Mais um conto de réis em cima do altar. O padre fez festa na cabeça do cachorrinho. Mas não batizava não.
Quando ia pelos cinco contos de réis o padre, com medo de o coronel desistir e ir embora com aquele dinheiro todo, amoleceu o coração. Bem que a paróquia estava precisada de uma reforma.
"Tá bom, eu batizo. Afinal o bichinho também é filho de Deus".
Foi quando o padre sentiu um forte beliscão nas costas. Era o sacristão, também querendo o dele. A beata que ficara para guardar os objetos sagrados já estava de olhos brilhando.
"Ah, mas tem que ter padrinhos." Disse o padre, fazendo cara de desânimo.
"Eu posso ser o padrinho", disse o sacristão pulando bem acolá.
"E eu, a madrinha!" Adiantou-se a beata.
Muito agradecido, o coronel recompensou a ambos generosamente, além de convidá-los para um almoço especial na fazenda.
E deu-se o batizado do cachorro, para enorme alegria do seu dono.
Após o sacramento, iam os quatro em direção ao carrão do coronel quando o sacerdote gritou da porta da igreja: "Esperem!"
Os quatro se voltaram curiosos. Faltara alguma coisa?
E o padre, com um sorriso de orelha a orelha:

"Próxima semana tem crisma!"
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 04/07/2015
Reeditado em 02/08/2015
Código do texto: T5299933
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