O Causo da Onça Curiosa

Então foi assim na outrora pequena e modesta Araxá...

Este é um conto dos tempos em que a Kombi 57 era um dos carros mais sofisticados do território nacional e o asfalto por aqui existia em poucos metros pavimentados da chamada Terra de Beja, ainda incrustada de pedras nas ruas.

Das mazelas da vida simples, onde um pai de família trocava um cacho de bananas verdes por poucas porções de arroz e feijão nos empórios locais, para dar de comer aos sete filhos, eis que surge nas entrelinhas deste texto o finado porém muito amado Alceu. Pai de um dos meus pais e respeitadíssimo sanfoneiro regional.

Alceu que não perdia um só forró nas tendas das fazendas e ranchos da sua amada zona rural. Alceu que era um homem brabo, ciumento das filhas e amante de um bom gole de cachaça. Rezam as lendas que certa vez ele entrevistou um candidato a genro polindo a velha garrucha com um pano seco... Mas apenas rezam as lendas.

Contou o velho avô numa noite de natal aos netos que em outra madrugada ele voltava à sua casinha de sapê após animar mais uma madrugada com sua sanfona. O gosto da cachacinha na garganta e o chapéu de couro alinhado às sobrancelhas davam o tom do alegre e embalado caminhar daquele velho pelas trilhas da matinha mirando os arredores do antigo Lava pés quando de repente eis que surge iluminada pela lua cheia lá na frente vindo pela trilha a malvada felina.

Aquela onça pintada era tão grande, mas tão grande que parecia que vinha montada em si mesma. Distraída e graciosa no seu caminhar, a bichana lambeu os beiços quando viu um provável jantar dentro do terno branco à frente na trilha e, de cabeça baixa e olhos brilhantes fitados começou a se aproximar do velho com chapéu de couro.

O temeroso Alceu soltou sua sanfona ao chão e olhou para um lado e para o outro planejando uma rota de fuga, mas não encontrou ali o seu sucesso. Desarmado e sem muitas opções o cabra bom forrozeiro não viu outra opção além de bater com força os joelhos ao chão e em seguida as palmas das mãos. Ciente da necessidade de lutar por sua vida começou então Alceu a bradar como um cão grande daqueles que protegiam as fazendas da região.

AURF, AURF, AURF... Ecoava o som na mata pela madrugada.

O bichano inseguro do ataque resolveu se sentar coisa de uns dez a quinze metros do outrora jantar e pôs-se a analisar a atitude da possível presa. – O que fazer agora? – deve ter questionado o grande gato. Presa e predador se olhavam nos olhos enquanto as estrelas viajavam pelo céu e o clarão da manhã tomava o horizonte. Alceu já rouco de tanto imitar um grande cão pensou em desistir pelo cansaço e deixar-se entrar para o cardápio da onça curiosa, mas quando o sol enfim nasceu o bicho lambeu a pata algumas vezes, bocejou largamente, levantou-se e foi embora... Alceu sorriu exausto. Feliz por estar vivo.

Após alguns estalos na coluna cansada ele enfim levantou-se, falou mal a danada por uns cinco a seis minutos e após pôr a sanfona novamente nas costas pôs-se novamente no caminho de casa para cumprir as obrigações daquele dia. Essa pequena e divertida mentirinha foi interrompida então pela Vó Benedita, que chamou Alceu e netos para a ceia de natal daquele distante 1982...

Vô Alceu e Vó Dita, que Deus os tenha.

Ivan Anderson
Enviado por Ivan Anderson em 16/07/2015
Código do texto: T5313546
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.