A Cratera de Rockfeller

Quem não conhece a cratera de Rockfeller? Digo, quem nunca ouvir falar, porque conhecer nem pensar. Quem em sã consciência ou ingrata loucura ousaria enfrentar terrível destino? Só mesmo o Bento Figueira, cabra macho, que mesmo na altura dos seus "metro e mei" e oitenta e tantos foi homem o suficiente para encarar o bicho. Os outros, ah, nem cova tiveram. Por lá mesmo ficaram, na sombra da morte, no buraco do adeus.

Não. Não é mentira não. Aconteceu de fato, só não tenho fotos. Mas aconteceu, por este sol que está no céu. O Bento é de pouca conversa, gosta de ficar ali sentado feito "preto velho", mas não atende ninguém. É reservado. Fica olhando para o nada, divagando, pensando. Algumas vezes ri, outras quase morre de tanto rir e aí vem a tosse, ele cospe. Mas não sai daquele banco em frente a sua tapera.

Não foi da boca dele, mas eu sei que verdade pois quem falou foi o Chico Azeite e o Chico já foi da milícia, por isso não mente nunca. As vezes esquece algumas coisas, diz que não falou, mas pode ser por causa da idade. Quando a gente envelhece, a gente esquece. Ele mesmo vive repetindo isto.

Mas o que não dá para esquecer era do Nestor Rockfeller, alias, coronel Nestor. Sim, aquele era rico, tinha de tudo na fazenda, ate televisão tinha. Tinha esposa, empregada, amante, tico-tico, moça de recado, tudo. E as gentes da região so tinham mesmo era inveja. Fazer o que? O homem comia todo dia... a gente tinha mais era que ter inveja mesmo, mas era inveja sadia, sempre pedia a Deus que iluminasse o caminho do Coronel que nem era um homem assim tão ruim. Ele sorria, cumprimentava, despachava. Era um homem bom, mas ninguém aqui descobriu isso a tempo.

O Chico conta que o rádio avisava que o homem subiu no céu com o tal foguete. E gente muito moleque ficava imaginando o desencanto. As estrelas não teriam mais segredos, as "tres-marias" arriaram as saias, o belo cai por terra. De lá do céu, caiu a fantasia: a Terra era azul. Mas não para nós que nos alimentávamos de histórias, porque a comida era pouca. Não. Para nos o sol sempre faria ficaria lento quando estivesse escondendo lá no fim da serra.

Ouvindo o radio no cair da madrugada, bebendo uma cachaça, mas só para esquentar, estavam o Bento, Zé Brito, o Coronel, o Amarante e a esposa dele, a Dona Chica e uma outra pessoa que o Chico nunca lembrava. De repente, ouvira um barulho muito forte, feito uma bomba, mas não como aqueles da festa de Santo Antônio, uma coisa muito maior.

O chão tremeu.

Teve caneca que caiu lá dentro da casa, e teve gente que falou de vidros quebrados.

Veio o clarão.

Aquela noite virou dia, deu até sombra. Dona Chica caiu em terra de joelhos e espaço de um Pai Nosso rezou meio terço. Teve gente que criou mias de vinte e cinco santos só naquele dia e chamou mais uns trinta para acudir.

Na fazendo do Coronel Nestor.

Um Buraco.

Verdade. Um buraco gigante tinha se formado em frente o curral. Uns dizem que tinham visto cair alguma coisa do céu, quem sabe um tal foguete. Outros juram que tinham visto o dedo de Deus apontando para caso do Coronel, mas que erro e acertou lá perto do curral. Há quem diga que não viu nada, mas nestes a gente nem acredita. O que vale é que o buraco estava lá.

Vou entrar, disse o Zé Brito. Quem sabe não está cheio de ouro? Logo trouxeram uma manivela, puseram corda e lata e desceu o Zé Brito.

Meu Deus, ouviram gritar lá do fundo daquele buraco. Não ouviram mais nada. E o Zé não voltou. O dia amanheceu e nada do Zé.

O Coronel falou que aquele buraco estava propriedade dele, então, se tivesse ouro era dele. E entrou também.

Meu Deus. Ouviram na voz do Coronel.

Meu Deus do céu, disse a Dona Chica, quatro horas depois, o Coronel também não voltou.

O Bento ficou só olhando, mexia na manivela, descia a lata, subia a lata, mas não vinha ninguém. O buraco esta lá, para quem quisesse ver. Mas naquele dia, a cidade foi rezar para expurgar os pecados, porque o padre disse que o dia do Juízo tinha chegado.

Meu Deus, diziam os fieis. O que vamos fazer?

O que eu posso fazer, mulher, eu é que não vou entrar neste inferno, dizia o Amarante para a esposa dele. Mas ela insistiu que tinha alguma coisa de valor, se não não estariam demorando tanto. O Amarante era esperto, não queria entrar.

Dona Chica entrou.

Silêncio.

Duas horas depois o Amarante vai atras da esposa. O Bento teve dificuldade para descer a corda, o Amarante era um homem muito gordo.

Meu Deus.

Mais três dias se passaram e ninguém voltou.

O padre foi até o local, benzeu, praguejou e o Bento apareceu.

Isso aí é a porta do inferno.

Jogaram terra no buraco, depois sal, um pouco de pedra, umas lenhas e mais terra. Nunca mais falaram no buraco do Rockfeller porque o padre proibiu. Fizeram uma tapera no lugar e o Bento ficou morando lá para vigiar casa alguém voltasse.

O Bento era um cabra macho mesmo. Ele sobreviveu aos portões do inferno. Alguém no céu era muito amigo dele. Ele conseguiu voltar quando tantos falharam. Ele viu o fim do mundo e guardou consigo. Era mesmo um santo homem. Falava pouco, falava sozinho, não dava papo para ninguém. Ele só resmungava:

Eu não entrei no buraco, eu não entrei.