A Rapsódia dos Quiabos

E foi naquele distante 1952 que o aventureiro Lilico, moço de conversa afiada e papo irresistível pôs-se a paquerar mais uma de suas vítimas na porta do Cine Brasil, centro da infante Araxá. A linda Rita era moça recatada, dona de longos e radiantes cabelos ruivos que chamavam a atenção dos rapazes por onde quer que ela fosse.

Lilico já havia jogado nela o seu charme na praça do coreto, na saída do Colégio Vasco Santos e enfim havia vencido seus bloqueios antes daquela sessão de cinema. Um jantar para conhecer os pais dela seria o primeiro compromisso do novo casal, e Lilico estava ansioso para que esta hora chegasse. E o dia marcado era o sábado próximo, num jantar que os pais da bela ofereceriam a uma Folia de Reis, tradição da região.

Este sábado chegou e Lilico vestiu a sua melhor roupa, penteou os longos cabelos cacheados e no finzinho da tarde se dirigiu ao alto Santo Antônio, onde morava a garota. A festa estava correndo bem e tudo estava dando certo, até que a senhora mãe de Rita resolveu por gentileza servir ao pretendente da filha o seu prato do jantar.

Lilico aceitou a comida de bom grado e lá tinha de tudo o que ele mais gostava: arroz branquinho, feijão tropeiro, lingüiça de porco, batata cozida e... – Meu Deus! – expressou em pânico.

O prato tinha uma generosa porção de quiabos, dos malditos quiabos que seu estômago não conseguia aceitar. Lilico comeu a iguaria no passado sem problemas, até que um dia ao almoçar na lavanderia onde trabalhava comparou a baba do vegetal à de um bêbado que estava esparramado na calçada ali em frente e a coisa azedou de vez.

– O que eu faço agora? – perguntou-se. – Será indelicado deixar o quiabo no prato, que foi servido com tanto carinho.

Ritinha sentou-se ao seu lado no sofá e, indiferente ao pânico do namorado incentivou-o a comer junto com ela que levava à boca fartas garfadas de tudo: inclusive do danado do quiabo. O pobre então não viu alternativa que não fosse ingerir o babante vegetal de uma vez, garfada atrás de garfada, com a esperança de que os outros sabores do prato cobrissem o sabor e a textura que tanto desagradavam o seu paladar.

Ritinha pensou que a refeição num todo estava saborosíssima ao seu bem querer e a ele desenhou o mais belo de seus sorrisos. Lilico com a boca ainda cheia de quiabos e os olhos rasos d’água dado o seu sacrifício tentou sorrir, mas nada saiu. Ainda assim tudo acabaria bem não fosse a chegada da sogra com uma concha cheia de quiabos que derramou sobre o prato dele.

Assustado Lilico voltou-se para a senhora que disse sorrindo: – Não sabia que você gostava tanto desse vegetal!

Ivan Anderson
Enviado por Ivan Anderson em 29/09/2015
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