O CRENTE DESCRENTE

Eduardo Andrade (Duda)

FS, 18/05/1981

Escritores do Brasil – Pág.: 121 – Ano: 1986 - RJ/BR

Conheci certo sujeito que se dizia sem defeito, todavia parecia nada mais nada menos do que um galho arisco de roseira. Certa feita, o Odorico, era como ele se chamava, converteu-se em protestante, motivo pelo qual até hoje também não sei.

Todo dia o Odorico passava enfatiotado com sua Bíblia na mão, desejando paz ao irmão. Fizesse sol ou chuva ia o crente do Odorico evangelizar.

Quem o conhecia ficava questionando a mudança repentina do Odorico. Antes profundo admirador da biriba, além de ser biscateiro e acima de tudo um Dom Juan:

- Não é possível! Logo o Odorico? Por quê? Será verdade?

Passado certo tempo, o Odorico já recitava os versículos da Bíblia em prosa e verso, bastava estar com alguém, aí disparava, parecendo sei lá o quê.

A Micareta estava em pauta e o Odorico, esperto como sempre, resolveu extravasar. Todo eufórico, foi o Odorico para a Avenida, com uma chupeta em volta do pescoço, que fora encomendada diretamente de Itu, e como participante do Bloco Furunfa, ao qual o Trio Maravilhão puxava. Quando desfrutava do bom e do melhor, cantando com o povão: “Mamãe, mamãe eu quero, mamãe eu quero mamar; pega a chupeta, pega a chupeta para o bebê não chorar...”. Odorico ouvia gritos vindos da calçada, pareciam vozes conhecidas, chamando-o. Tinha razão, eram os irmãos de igreja que voltavam de uma noite de oração. Uns, com gestos repetidos, lhe acenavam, enquanto outros faziam coro. Odorico não tinha outra alternativa senão ir ao encontro deles, que pasmos não acreditavam no que viam. Ao chegar perto dos Irmãos, que se encontravam na calçada, o Odorico foi logo interrogado pelo Pastor:

- Irmão! O que foi que fizeram com você?

O Odorico não pensou duas vezes e respondeu:

- Pastor, foi Deus quem enviou minha pessoa a estes pecadores.

- Ouviram irmãos? Nosso irmão Odorico está a serviço de Deus. Vá, meu filho, cumprir sua missão – falara o Pastor.

Foi quando surgiu a mulata Fulô Meia-Tala, com seus 115kg, e arrastou o pobre do Odorico, novamente, para o meio da folia.

- Só por Deus! Só por Deus! Tarefa árdua foi designada ao nosso irmão Odorico. Vamos todos orar em voz alta para Deus nos livrar dessa...

Enquanto o Pastor falava aos seus seguidores, Odorico caía no frevo, ao lado da Fulô; até quando não mais resistiu acompanhar o seu rebolado e ali mesmo, já entalado de cerveja, “bateu as botas”.

CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA ANDRADE
Enviado por CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA ANDRADE em 28/06/2007
Reeditado em 29/07/2007
Código do texto: T544936
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