REFÚGIO DOS CORSÁRIOS.

Todos nós temos traumas da infância. Eu com os meus oito anos quase morri afogado em uma lagoa, se não fosse alguém ter me tirado já quase sem vida do fundo do lago. Por este motivo eu tenho medo de água do mar, piscina, lagoa, cachoeira.

Minha esposa Aline Perini, também tem o seu trauma, não gosta de mata fechada, de caminhos íngremes após ter ser perdido quando criança em um local de mata.

Há quinze dias atrás resolvemos ir para uma pequena pousada na praia da Fortaleza em UBATUBA, em um local chamado REFÚGIO DO CORSÁRIO.

A reserva foi feita pela internet, e tudo o que é feito pela internet se torna obscuro. Então fomos desfrutar do nosso descanso, com um pé atrás. Passamos várias praias, Grande, Toninhas,Lázaro, e entramos a esquerda em direção a Praia Dura, alguns quilômetros de asfalto outros dois de chão de terra e chegamos a pousada.

Logo nos sentimos muito bem no lugar, fomos até a recepção, confirmamos tudo, guardamos as nossas coisas e dirigimos nos até o restaurante que fica a beira da praia. O dia estava maravilhoso, e Manoel o garçom veio nos atender. Ficamos amigos imediatamente, ele falador e eu ansioso para escutar história, como chegamos na quinta feira o hotel estava praticamente vazio.

Entre uma história e outra ele ficou sabendo do meu medo por água, e do medo da Aline por trilha fechada.

Fez a seguinte sugestão.

--- porque vocês não fazem uma aposta. Não quero nem saber o que vão apostar. - ele sorriu. - continuou.--- desta praia até a praia do Cedro tem uma trilha, o grau de dificuldade é médio, a mata é um pouco fechada, talvez uma hora ou um pouco mais de caminhada, você vai com sua esposa, se ela vencer esta etapa, você entra no mar a noite, a água vai estar quente, o sol esta forte hoje, e normalmente com a LUA CHEIA, não existe nenhum perigo.

Olhei para a Aline Perini e ela olhou para mim.

Tínhamos iniciado a primeira cerveja, devia ser umas duas horas da tarde, depois desta vieram outras mais. Trocamos de roupa, aproveitamos a água quente do mar, apreciamos aquela vista maravilhosa. A todo momento, Manoel trazia uma cerveja mais gelada que a outra, e fazia sempre a mesma perguntar.

--- então, aceitaram o meu desafio.

Mineiro insistente, após já tomarmos uma boa quantia de cerveja, respondemos eu e a Aline quase que simultaneamente.

--- topamos.

--- ela faz a trilha e eu entro no mar a noite. Amanhã cedo, cumpriremos o desafio. Certo?

Indaguei olhando para minha esposa.

--- certo. - afirmou ela.

Manoel abriu um enorme sorriso. Pois bem, vou buscar uma nova cerveja. O jantar será servido as 21 horas.

O restante da noite foi tranquila, jantamos, discutimos sobre a proposta do garçom, nos amamos e dormimos.

No dia seguinte acordamos bem cedo.

O café da manhã do hotel estava maravilhoso. Pegamos algumas garrafas de água, colocamos na mochila e tomamos rumo a trilha no meio da mata.

Manoel estava nos esperando bem no início da nossa jornada.

--- boa sorte. fiquem tranquilos estou sabendo para onde vão, se não chegarem até o entardecer eu vou em busca de vocês. O dia era de sol forte, e a noite seria de lua cheia.

Nós não somos sedentários, mas também não estávamos acostumados a fazer trilha. O caminho foi difícil, escorregamos, nos machucamos, mas finalmente após uma hora e quinze chegamos a praia do Cedro. De imediato encontramos dois cachorros, depois um gringo (argentino) acampado sozinho em um canto onde jorrava um fio de água. Ele veio até nós.

--- maravilhoso o Brasil.

--- sim...tem mais alguém com você?

--- não. gosto de ficar olhando a natureza, o mar, a solidão da noite. Vocês conhecem Paraty? - perguntou em um portunhol.

--- sim conhecemos. - respondeu Aline.

--- o lugar é bonito.

--- sim. - respondi eu, puxando Aline pela mão e indo em direção a praia.

O tempo passou rapidamente, e logo já estava começando a entardecer. De repente apareceu uma família que tinha feito o mesmo percurso que nós. Eles estavam exaustos. O patriarca veio em minha direção.

--- tem cerveja em algum lugar para vender.?

eu ri, olhando o modo como ele lambeu o beiço louco por uma gelada.

--- não aqui não tem nada. - o recém chegado se afastou com a família e foi beber água que escorria por uma vertente improvisado.

Já estávamos há algum tempo na praia, admirando a beleza do lugar. Água límpida. Paisagem deslumbrante. O gringo, continuava mergulhando na orla, e a família recém chegada aproveitava as delícias da praia.

Avistamos um banco de pesca chegando. Já tínhamos conversando de como voltaríamos. A pé, ou de barco. Sabíamos que alguns barqueiros ficavam rondando a praia em busca de turistas que tinham feito a trilha e que cansados pediam ajuda.

O pequeno barco atracou e dele desceu três pessoas. Dois homens e uma menina de oito anos mais ou menos que acompanhava o pai. Curioso, vendo tanto material sendo descarregado perguntei se iriam ficar. Um deles respondeu.

--- acamparemos por 4 dias.

A menina estava eufórica com a aventura.

Aline esperta como nunca foi até o barqueiro e perguntou.

--- quanto fica para levar eu e o meu marido para o Refugio do Corsário? - me aproximei.

--- 70 reais.

Olhei para a minha esposa.

--- se voltarmos de barco o desafio não estará cumprido, o combinado com o Manoel foi ida e volta.

Aline sorriu.

--- não me lembro deste detalhe.

Já passava das 16 horas e o tempo parecia querer mudar.

--- vamos voltar a pé mesmo. - afirmei.

--- que assim seja respondeu ela.

Imediatamente tomamos rumo a trilha.

A vinda tinha sido muito complicada a ida nem tanto. Não sei se pelo prazer de cumprir uma jornada ou pelo caminho já conhecido pareceu-nos fazer a volta com mais tranquilidade.

Chegamos ao fim da trilha exaustos. Porém, eu e Aline demonstravam em nossas fisionomias uma alegria incontida. O prazer de ter vencido um trauma, uma etapa da vida. O prazer se saber que estaríamos sempre juntos em qual situação fosse.

Manoel nos avistou de longe, quando chegamos em frente ao Restaurante que fica bem na beira da praia, ele veio ao nosso encontro. Trazia em uma das mãos um balde de gelo com duas cervejas Original, e na outra bandeja dois copos praticamente congelados. Sentamos na mesa já com o guarda sol aberto. Sentamos. Suados.

O estampar da cerveja gelada e o copo recebendo aquele líquido no momento parecendo quase Divino encheu as nossas bocas de saliva.

--- parabéns, vocês conseguiram. Agora doutor, é a sua vez de entrar no mar a noite, com água morna e diante do olhar da lua cheia.

Agradecemos ao Manoel o desafio proposto, agora faltava eu cumprir a minha parte.

Tomamos as cervejas com prazer. O corpo estava cansado, precisávamos descansar, marcamos o jantar para as 21 horas, e fomos para o quarto. Queríamos um banho quente, e uma cama confortável. O corpo estava dolorido, e cheio de arranhões, tanto o meu quanto o dela.

Dormimos. Acordamos por volta das 21 horas, levantamos apressados e fomos para o restaurante.

Como sempre Manoel veio ao nosso encontro.

--- vocês me desculpem, mas o jantar ainda não está pronto, acho melhor doutor o senhor cumprir o seu desafio e depois jantarem.

Eu na verdade estava me fazendo de esquecido, porém tinha colocado um short e Aline o biquini porém com uma saída de praia.

A lua era mesmo cheia, porém uma densa nuvem a tinha coberta por alguns minutos.

--- é a sua vez amor. - disse a esposa já descendo a escada que dá acesso a areia da praia.

Eu não fraquejar. Sim tenho medo do mar. Imaginem a noite, com a lua encoberta pela nuvem. Ela tinha superado o seu trauma, e eu tinha que superar o meu.

A praia estava deserta, não havia mesas, cadeiras, ou qualquer pessoa que pudéssemos avistar.

Do restaurante apenas uma luz tênue que clareava o início do meu desafio.

Segurei na mão de Aline e caminhamos em direção ao mar. Como uma criança que tem medo de assombração lá estava eu um tanto trêmulo. Eu nunca entro no mar mais do que a água tocando um pouco acima do meu joelho. Porém, segurando na mão da esposa pareceu-me caminhar para o meu casamento. O mesmo sentimento da foto que postei junto com essa história. Alegria. Paz. Confiança. A lua permanecia encoberta, entramos bem mais do que o meu corpo permitia. Mergulhamos de mãos dadas, e quando voltamos do mergulho a lua cheia apareceu clara como é o amor verdadeiro. Cheio de Luz, cheio de confiança. Ainda segurando agora em suas mãos trocamos um longo beijo, nos abraçamos.

--- obrigado. - disse baixinho em seu ouvido.

Aline sorriu.

--- eu também agradeço. Juntos vamos superar qualquer dificuldade, basta confiar um no outro.

A Lua sorria para nós. O estomago roncava de fome, nadamos em direção a praia.

Um holofote forte tinha sido acesso, e uma mesa estava posta na areia da praia.

--- amor... disse ela. - acho que saímos do nosso curso.

abri um enorme sorriso. Manoel. Manoel. - Murmurei baixinho.

--- estamos no local certo e na hora certa.

A mesa estava repleta de flores. o garçom desceu a escada em direção a nós. Em uma das mãos duas toalhas. Na outra uma garrafa de CHANDON.

--- parabéns. - vocês merecem um jantar a Luz natural da Lua cheia. - ele nos ofereceu primeiramente as toalhas. Nos enxugamos e sentamos.

--- o jantar será servido em quinze minutos.

O CHANDON BORBULHANTE ECLODIU E A ROLHA VOOU LONGE.

--- que Deus os conservem sempre juntos, unidos, e superando desafios.

Borbulhas de amor encheram as duas taças.

Manoel se afastou para preparar o restante do jantar.

Os olhos de Aline se cruzaram com os meus, como cruzam duas almas gêmeas que durante muito tempo haviam se perdidas no infinito do tempo e que agora estavam juntas.

Estávamos felizes, e assim vamos continuar até onde DEUS permitir.