Eu juro que vi um passarinho morrendo, vi sim...

De maneira pomposa, vivia exaltando que se para obter ingresso no Céu dependesse de nunca haver matado passarinho, certamente eu a obteria...

Certa ocasião, após fazer esta afirmação, meus pensamentos retroagiram até os anos 60, quando uma das preferidas brincadeiras executadas pelas crianças era demonstrar habilidade na pontaria, utilizando os denominados estilingues fabricados, via de regra, artesanal e rusticamente com duas tiras de câmara de ar de pneus, um pequeno pedaço de lona, de borracha ou de qualquer outro material que servisse como receptor daquilo que se queria atirar, ao qual eram unidas as duas pontas das tiras citadas e o recorte de um galho de planta resistente que contivesse caules, tendo suas extremidades simulando um V. As outras duas pontas das tiras de câmara de ar eram então unidas nas extremidades superiores do V acima citado, formando a catapulta a partir da qual eram desferidos os envios de bolinhas de gude, pedras, mamonas ou outros quaisquer objetos similares, objetivando atingir um alvo previamente designado.

Os acima citados alvos iam de inofensivas garrafas colocadas a certa distância dos ‘competidores’, pedaços de madeiras encravadas no solo, latas dispostas no chão ou sobre algum sustentáculo, ‘inimigos’ humanos em simulação de batalhas campais e, infelizmente, pobres animais que circundavam pelas cercanias dos locais onde se desenrolavam as brincadeiras. Não escapavam os pobres pássaros que repousavam equilibrando-se sobre a fiação, nos galhos das árvores e até mesmo em revoada.

E era um verdadeiro ‘Deus nos acuda’ para os inofensivos animaizinhos quando a época era de caça a eles.

Dentre esta turma que ‘ia à caça’, havia os ‘bons de mira’, que eram capazes de acertar os mais velozes pássaros em pleno vôo. E o que dizer acerca de quando o alvo era um pássaro em repouso, entoando seu canto sobre o galho de uma árvore? Vitimado na certa!

Existiam também os ‘remediados’ que, via de regra, acertava por fortuito ‘golpe de sorte’ alguns dos pobres animais em revoada, mas que não muito raramente, acertavam aqueles que estavam em repouso sobre os galhos, fios, muros, telhados e até as ‘mamães’ que alimentavam seus filhotes na beira dos seus ninhos.

E existiam os ineficientes, dentre os quais eu me enquadrava que não acertava nem em uma ema, se houvesse alguma totalmente parada! E, para ser sincero, não fazia muita questão de ter esta proficiência!

Achava um esplendor a revoada dos pássaros, especialmente das andorinhas, que mantinham uma formação exemplar em suas evoluções. Fiquei por várias vezes, admirando o cantar dos canários que havia em profusão por aquela época, na localidade em que eu habitava. Bem-te-vis, canários da terra, canários do reino, andorinhas, rolinhas, beija-flores, coleirinhas, pardais e alguns outros não tão comuns, embelezavam os ares e alimentavam nossos ouvidos com seus sons.

Inexorável, o tempo passou, a ganância do homem fez com que houvesse tremendo desmate, e a poluição advindas de vários segmentos fez com que o ar fosse sendo impregnado de químicas nocivas à saúde, fazendo com que elementos vivos de menos capacidade de aceitação tivessem suas vidas abreviadas e, automaticamente, nos locais de maior concentração industrial, como é o caso do ABC onde vivi minha infância e adolescência, o sumiço quase total das aves que nos encantavam.

Certa ocasião, analisando a forma como observamos atualmente a não mais existência das revoadas, dos cantos, dos gorjeios das várias espécies de pássaros que víamos enfeitando os ares, num repente veio à minha mente o tempo glorioso que vivi e sobreveio um repente...

Conclui constrangido que também não obteria meu ingresso no Céu, se como quesito para tal nunca houvesse tirado a vida de um passarinho, nas malfadadas caças que lhes eram feitas... Como uma punhalada no meu já muito vivido peito, como um filme em minha mente perpassou episódio ocorrido quando, a pedido de um amigo da época, com o qual ia acompanhado nestas ocasiões infelizes, aniquilei com uma estilingada um pobre e indefeso pardal que já ferido encontrava-se caído quase aos meus pés, com a vã esperança que assim poderia abreviar seu sofrimento...

Não pude conter tremendo choro que me assolou, tendo em minha mente o que havia ocorrido na ocasião, também com o choro incontido que não pude evitar, colocando-me em posição igualitária com aqueles que desmatam e que são tidos e havidos como verdadeiros assassinos em potencial das vidas que Nosso Criador por aqui ‘depositou’ em equilíbrio harmônico de convivência nesta vida teste que nos proporcionou!

ESPERO QUE A NATUREZA EM CONLUIO COM NOSSO CRIADOR TENHA ME PERDOADO!!!!!!