Discurso Político

Namorados encolhidos num dos bancos da praça, que ficava num dos cantos pouco iluminados. Na mesinha de concreto, tabuleiro arrumado para partida de damas. Point preferido dos aposentados do Largo de São Domingos, praça de encontros, diversões e, até dizem, maldições. Crianças, em algazarra, corriam para lá e pra cá, equilibravam-se no fio da diversão.

Caminhando distraída, a mulher parou, estrategicamente no centro da praça. Em frente à estátua do homenageado. De supetão, como num rompante, gritou:

___ Sai daí, seu maldito! Quero ver se é homem agora! Não adianta virar direção!

A população envolvida no lazer costumeiro virou-se em atenção.

Algumas murmurações eram ouvidas da massa que se formara.

___ Será a tal da maldição?

Sem mudar rumo do fato, aquela mulher _ espécie de louca?! _ continuou seu solilóquio:

___ Faz essa cara não! Tá pensando que eu não sei o que você está querendo, Dom Pedro de meia tigela! Da última vez que você tava de cara para UFF, não ganhei nem por tabela!

O tumulto estava feito. Alguns começaram a diagnosticar as razões de tal sandice.

Um velho que estava ganhando a partida foi logo categórico:

___ Isso é louca mesmo! Sempre aparece quando estou ganhando; disse animando os outros a voltarem ao jogo.

O casal de namorados, de um salto, pulou do banco.

___ Deve ser sua mãe! Ela descobriu que estamos por aqui!

___ Que nada, amor... Ela é louca, mas não tem essa mania.

___ Eu não te disse que essa estátua olhando pra gente estava me incomodando! Ela dá azar, até pra quem tá namorando!

As crianças eram as que mais se divertiam com toda agitação!

O alvoroço só inflamava! Era riso dali, vaia de lá , e até palmas de um velhinho surdo que pensava que aquilo tudo não passava de discurso político.

A estátua parada estava, parada continuou, como se nada estivesse acontecendo.

Nesta altura, o grupo já havia se organizado entre os contras e os a favor daquela mulher.

Um veterano militante do antigo Arena retorcia o semblante para a revolta de uma dona, que tomou a vez:

___ Que é isso? Chamem a polícia, essa praça é familiar!

___ Que é isso senhora? Todos temos o direito de expor opinião!

___ Garantido pela constituição? preocupou-se a dona.

___ Mas é claro! E eu lá ando fora da lei? o militante assegurou.

Animadamente continuaram o debate, que foi parar num dos muitos barzinhos próximos dali.

Sem que ninguém, mas ninguém mesmo atentasse, a mulher da sandice saiu do meio da "torcida" e sem entender nada do que estava acontecendo, disparou:

___ Eu heim... Cambada de malucos... Ninguém se entende!

E deixou um recadinho ao pé do ouvido da estátua:

___ Vê se dá próxima vez que você mudar direção, faz eu ganhar na sorte, que é pra mode eu voltar pro Norte!

E tomou rumo, subindo a rua em frente à praça.

VOCÊ SABIA?

O busto que se encontra na praça de São Domingos, é feito em bronze, apoiado numa esfera armilar (grupo de anéis ou molduras na base de certas colunas) giratória, sobre base de granito bruto. Autoria de Ugo Taddei, foi fundido em 1920 no Rio de Janeiro e cinco anos depois adquirido e oferecido à Prefeitura de Niterói pela Associação Comercial para comemorar o centenário de nascimento do imperador Dom Pedro II.

( SOARES, Emmanuel de Macedo. Monumentos de Niterói. Rio de Janeiro: Êxito / Fundação Niteroiense de Arte, 1992, pp. 76, 77. )

*Texto publicado no Almanaque Banda D'Além: almanaque de educação patrimonial, Fundação Euclides da Cunha, Niterói, 2003