QUEM TEM MEDO DE DENTISTA?

Pense num cabra macho.

Pense num sujeito que nunca se afrouxou diante de qualquer parada, capaz de brigar de tabefe, murro, faca, facão, estrovenga ou arma de fogo.

Pense num cabra grande e forte que nem mourão de porteira feito com miolo de maçaranduba.

Imaginou?

Pronto. Esse era Álvaro.

Na época de menino, quando vivia solto pelo meio dos matos gostava de comer fruta madura, tirada do pé e quando a mãe dele mandava lavar a cara suja, ele pegava um chumaço de entrecasca de juá e escovava os dentes que muitas vezes serviram até para cortar tira de couro.

Mas como tudo na vida tem um fim, a macheza dele desapareceu na cadeira do dentista.

Foi assim...

Um dia Álvaro estava apartando gado mais seu amigo Zezão quando sentiu uma pontada no lado direito do queixo.

Achou que não era nada e nem ligou.

Quando pararam para almoçar, antes de engolir a lapada de cachaça, Álvaro deixou ela descansar por um bom tempo em cima do dente que estava doendo. Aliviou, mas não passou.

Sentados na sombra do curral comeram o almoço que os meninos trouxeram e o dente danou-se a latejar.

A dor ia e voltava, e cada vez que vinha, voltava mais forte porque o dente tinha-se quebrado quando Álvaro mordeu o pedaço de torresmo.

Impaciente, Álvaro reclamou da dor. Zezão disse que ele tinha que ir no Dr. Francisco para ele dar um jeito se não a dor iria aumentar e ele não ia poder trabalhar enquanto não arrancasse o dente que naquele estado só servia mesmo para doer.

Você está doido? Não tem no mundo quem faça sentar naquela cadeira da peste. Disse Álvaro convicto de que aguentaria a dor.

Afinal ele era macho e não ia abrir da parada para um caco de dente quebrado.

O dia findou e com ele a tranquilidade de Álvaro. Nem quis jantar, e a peste do dente doeu durante a noite toda.

Quando amanheceu a dor já tinha se espalhado pela cabeça toda e o queixo redondo, inchado como quem está com caxumba braba.

Sem alternativa, Álvaro procurou Zezão para ir com ele no consultório do doutor.

Praticamente empurrado pelo amigo, entrou no consultório e contou para o doutor todo o acontecido. Sente-se aqui. Foi a ordem que recebeu do dentista.

Contando os passos, com os olhos esbugalhados, pálido como a cera do santíssimo, o suor empapava os cabelos na testa lívida, na nuca e descia pelo rego das costas. As pontas dos dedos roxos nas mãos doloridas de tão geladas mal puderam ajeitar o guardanapo estendido sobre o peito depois que conseguira sentar na cadeira do dentista.

Feita a extração, com um chumaço de algodão pressionado sobre o buraco onde antes estivera o dente comprometido, Álvaro deixou o consultório e, quando voltou a ter cor de gente e recuperar a fala disse para seu amigo Zezão que se algum dia, alguém ficasse sabendo dessa historia de medo de dentista ia haver morte na certa.