História de caçador

Era lusco fusco de junho no Vale do Raso da Catarina, o sol declinava no horizonte banhando de dourado a extensa área florestal no interior da Bahia, quando Coruja, um desses caboclos nordestino do tipo que não se deixa amofinar, entranhou mata adentro para logo em seguida se deparar com o “encastelamento” de uma perdiz.

Ela surgiu do chão, sob seus pés, debaixo de seu nariz e do focinho do cão, num salto vertical, elevando-se de cinco, dez ou mais metros e, depois fez uma parada e lançou-se em linha reta até que o tiro a alcance-se, ou até que se pusesse a salvo do caçador.

Coruja preparou a sua aguçada mira e disparou o seu primeiro tiro. A perdiz rolou pelo chão, e em seguida tornou a correr em voltas emitindo gralhados apavoradores. O curiboca tornou a atirar, e novamente a ave rolou pelo chão, emitindo gralhados cada vez mais alucinantes.

Novamente ele atirou, e atirou. Pela quarta vez a perdiz rolou pelo chão, e por fim alçou voou e sumiu mata adentro. O caçador, daqueles cabas de pele tostada pelo sol, e os calos encrespados em suas mãos a denotar que era homem do sertão. No entanto, ao emitir o quarto tiro sentiu os pelos da pele se arrepiar, e a sua coluna vertebral foi tomada por um intrigante calafrio.

Se apercebendo da situação, sentiu algo misterioso no ar. Parecia não estar sozinho. Ele teve a impressão de ouvir uma risadinha de escárnio. Era como se tivesse alguma força invisível por perto. Seria a fabulosa defensora das matas, também vulgarmente conhecida como Mãe do Mato, Saci, Caboclinha do Mato, ou simplesmente Caipora? Pensou o caçador. Tentou a todo custo ofuscar esse pensamento. Pois já havia ouvido os anciões narrarem histórias mirabolantes sobre estes seres que habitam as florestas.

Certa feita, seu avô lhe contou que o Caipora é um tipo de protetor dos animais de pele, couro ou chifre, e sua missão é assustar os caçadores que matam esses animais de forma cruel e predatória. “Mas eu atirei foi numa ave de pena”, hora essa, imaginou o mameluco, que a passos largos foi se afastando daquele local. Quando de repente ouviu lá ao longe um fino assovio. Foi o bastante para o valente sertanejo se dar por vencido e retomar o caminho do rancho no qual seu amigo Zé Antônio estava a esperar.

O Zé Antônio, também desses cabras valente, ficou pensativo ao ouvir a narrativa de Coruja, no entanto não deu a devida importância ao fato. Na terceira noite de caça, com os alforjes abastecidos de abundante munição, e tendo como companheiros os dois perdigueiros, Coruja e Zé Antônio adentraram a mata, desta feita, juntos. A noite estava propicia para caçar, quando de repente uma Cutia emergiu de dentro da mata atravessando a vereda dos predadores, e com um tiro mais que certeiro o Zé matou o animal. Como estavam perto do abrigo, decidiram voltar e pendurar o quadrúpede abatido num dos galhos do frondoso jiquirizeiro e retornaram para a mata.

Enquanto estava de tocaia ouviram um forte latido dos cães. Eram faísca e fumaça, os cães farejadores haviam acuado um Tatu. Logo o Tatu se tornou presa fácil para Coruja que não perdeu a oportunidade. Afinou a infalível pontaria e abateu o cascudo animal. Para logo em seguida abaterem um veado, e um caititu. Satisfeitos com a noitada decidiram voltar para o acampamento debaixo do jiquirizeiro. Ali pretendiam passarem o restante da madrugada, e assim o fizeram.

Foi quando pareceu que o inferno desabou sobre as suas cabeças. Foram acordados pela balbúrdia estarrecedora dos cães que uivavam horrorosamente. Pareciam que estavam apanhando de alguém, ou de algo. Olharam em volta e nada virão. Até mesmo as caças abatidas e dependuradas no galho da frondosa árvore haviam sumido.
Assustados, os caçadores meteram dos pés, e de armas em punho e suor pingando averiguavam o que estava acontecendo ali. Estranhamente leram no solo arenoso, as pegadas da Cutia, do Veado, do Caititu e do Tatu, e pela forma que estavam distribuídas na terra se dava a entender que haviam saído em disparada.

Ao ouvirem os alaridos horripilantes seguidos do sibilar do chicote zunir sobre as suas cabeças, os caçadores de imediato arrumaram as suas tralhas, as que deram tempo pegarem, e sumiram em desvairada retirada. Passaram sete dias e sete noites a perambular a esmo pela mata sem conseguir achar o caminho de casa. Era o epilogo da caçada. Pois haviam provocado a Iracúndia da Caboclinha do Mato. E Contam até hoje, que durante a noite nunca mais voltaram a caçar no Raso da Catarina, ou em qualquer outra floresta que seja.
Marcos Antônio Lima
Enviado por Marcos Antônio Lima em 04/09/2017
Reeditado em 10/09/2017
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