Uma lua-de-mel interessante...

Essa história se passou em meados dos anos 70.

Lucinha e Adauto, depois de seis anos de namoro, conseguiram se casar. Maravilha. Famílias felizes. Uma beleza. Numa quinta-feira, casaram-se no civil, num jantar em um restaurante famoso de São Paulo Na sexta-feira, no religioso, em uma igreja tradicional de Higienópolis.

Moderninhos, 20 e 22 anos, optaram por usar numa viagem o dinheiro destinado à festa. Queriam sair sem destino, acampar (bem coisa de jovem mesmo), e o destino seria Guarapari, no Espírito Santo. Os preparativos foram intensos. Compra de barraca, fogareiro, cozinha, armário, colchonetes, uma farra só. Na idade deles a idéia de conforto é muito relativa, até bem diferente do convencional, mas, enfim, estavam ansiosos pela aventura.

Já haviam feito a vontade dos familiares com um casamento tradicional, à moda antiga, com direito a meio fraque, vestido branco, primeira noite num hotel cinco estrelas famoso, carro todo pintado, tudo perfeito. Dali pra frente, só loucura mesmo.

No dia seguinte ao casamento, saíram do hotel com a adrenalina a mil. Roupinhas novas, de alto verão. Ele de bermuda xadrez, camiseta e tênis novo. Ela de vestido jeans de alças, sandália salto Anabela (altíssimo), vários colares e pulseiras, além do lencinho (última moda) de moedinhas douradas na cabeça. Simplesmente, o máximo para a época. Colocaram seus ray-bans, e após uma passadinha na casa das mamães para um último beijo de tchau, tomaram o caminho da Dutra, como duas crianças num parque de diversões. Com o carro já carregado, aliás, lotado, porque além de todos os utensílios para um acampamento, havia duas malas da Lucinha que mais pareciam ter sido feitas para uma viagem de dois meses à Europa, puseram-se a caminho.

Era janeiro, o sol estava divino, o dia mais ainda, e lá se foram os dois pombinhos rumo ao mar. Lá pelas tantas pararam para almoçar num restaurante bem faceiro. Comeram muito bem e voltaram à estrada, queriam chegar ao Rio até o anoitecer, onde haviam combinado com um casal amigo passar uns três dias na “Cidade Maravilhosa” antes de seguir viagem. Rodaram uns 30 km, quando, de repente, começaram a sentir um cheirinho básico de borracha queimada, acharam que era da estrada, mas, em seguida, uma fumacinha, mais básica ainda, começou a subir pelo capô do Corcel vermelho. Pararam, e qual não foi a surpresa de Adauto, quando foi puxar o breque de mão e ele já estava puxado. Quando abriram o capô, era uma fumaça só, preta, um horror! Andar tudo isso com o breque de mão puxado, foi demais! Mas, sabe como é, jovem, né? Tiraram até foto da fumaça dando altas gargalhadas.

O próximo passo seria achar um mecânico. Como estavam perto de um posto de gasolina, andaram até lá, onde o frentista deu um telefonema e rapidamente encostou um guincho para socorrê-los. À primeira olhada no carro, o mecânico não deu esperanças de realizar o serviço para aquela noite. Teriam que dormir pelas redondezas e pegar o carro na manhã seguinte. Adauto, então, achou melhor pegarem uma carona até perto da oficina, depois resolveriam o que fazer. Pensou em chamar um táxi, mas no posto não havia nenhum telefone de ponto. Resolveram pedir carona, Já era fim de tarde, a estrada estava movimentada, não seria difícil conseguirem uma. Ao verem um ônibus, Adauto fez sinal, dizendo a Lucinha que perguntaria ao motorista se poderia levá-los. Lucinha esperou e viu Adauto sair correndo em direção ao ônibus que começara a freiar. Ele já estava longe, quando parou, virou-se e gritou: “Corre, bem”!! Lucinha saiu correndo, com a bolsa e a frasqueira (conjunto daquele jogo de malas enorme que estava no carro) na mão. Já estava bem escuro e quando se aproximava do veículo, sumiu no asfalto. Um buraco enorme, que Adauto, sem saltos, havia transposto com tranqüilidade. Nem a cabeça (com as moedinhas do lenço tilintando) ficou de fora. Quando saiu do buraco, com a ajuda do maridinho, Lucinha viu todas as cabeças pra fora das janelas do ônibus. Bom, também com o barulho que ela fez prá cair...Embarcou no ônibus com a perna escorrendo sangue, todo mundo perguntava: machucou? E Lucinha com um sorriso amarelo dizia que não, mas também que pergunta absurda, o que eles achavam? Que ela estava de armadura? Sentou no banco sem saber se chorava ou se batia em Adauto que a deixara para trás. Rapidamente chegaram à oficina que também ficava em um posto de gasolina. Agradeceram ao motorista e desceram.

Adauto combinou tudo com o mecânico e ficou de buscar o carro no dia seguinte por volta das 11 horas. Em seguida, tinham de resolver onde ficar naquela noite. Lucinha que estava mancando, precisava de pelo menos passar uma água na perna para limpar aquele monte de sangue. Dirigiram-se ao restaurante e quando Lucinha limpou o joelho, se deparou com um buraco, por isso ele doía tanto, e, já estava bastante inchado. Adauto achou então melhor deixar Lucinha no restaurante do posto, enquanto ia à procura de um hotel para dormirem.

Vocês devem conhecer esses postos de gasolina de estrada, né? Trocentos caminhoneiros jantando e vendo TV. Lucinha acomodou-se em uma mesa em que pudesse esticar a perna machucada em uma cadeira. O joelho estava horrível. E todos olhavam pra ela. Era difícil entender se era cantada, espanto pela roupa fashion, ou pena por ela estar machucada. E, o nervoso foi tanto que pediu o jantar duas vezes seguidas, e o pior, comeu tudo. Adauto demorou a chegar, já eram mais de oito horas quando ele apareceu com um táxi. Já havia pego as malas e viera buscar Lucinha, que o fuzilava com o olhar por ter ficado tanto tempo á mercê daquele povo local.

O motorista, muito solícito, informou que os levaria ao melhor hotel da região (ele na verdade, não sabia nem o que era pior, imagine o melhor). Estacionou em frente a uma espelunca que era um misto de hospedaria com bordel. Claro, não tinha ninguém para carregar as imensas malas de Lucinha, e os dois tiveram de dividir o peso da bagagem. Obviamente, não havia ali um elevador e ela , mancando, foi arrastando aquela tremenda mala escada acima. O barulho parecia de uma marcenaria com a serra ligada (os degraus eram de madeira). O quarto, hilário por sinal, era o que há de terrível! A janela não tinha venezianas, e, sim uma persiana, daquelas antigas, de metal desbeiçado, e a luz da rua batia bem em cima da cama. Super romântico! Lucinha, com aquela dor, tratou de tomar banho, e passou sua segunda noite de casada, fazendo compressas no joelho, no banheiro, com aquela camisola preta longa e lindíssima...

Após a noite mal dormida, o que ela mais queria era sair daquele “hotel” que mais tarde soube, ser o local em que quarenta e tantos anos antes, sua sogra passara a lua de mel. Prédio, naquela ocasião, recém construído. Teve a certeza que nunca ninguém o reformara desde aquela época.

Depois de alguns telefonemas para os familiares, dando notícias, e com o carro pronto, partiram felizes para o seu destino. Chegaram ainda pela manhã ao Rio de Janeiro e, já meio esquecidos de tudo (com exceção do joelho), a animação começou a voltar.

Ficariam no Hotel Lancaster, Copacabana, em frente ao mar. Só o fato de ter manobrista e camareiro, já era para Lucinha um grande alívio. Mal se acomodaram no quarto, que por sinal tinha uma vista linda, e logo desciam rumo à praia e ao calor de 40º graus da “Cidade Maravilhosa”.

Por ser janeiro, a praia estava lotada. Funcionários do hotel colocaram cadeiras e guarda-sol, e, Adauto e Lucinha pareciam começar ali a lua-de-mel tão sonhada. E assim, foi uma manhã maravilhosa. Uma delícia que se estendeu até a tarde!! Só não foi melhor por causa do incômodo do joelho, que a fazia mancar e sentir um ardido com o contato com a água salgada. A única coisa que os dois não lembraram é que estavam “branquinhos”, cor básica de paulistano, e, que o sol do Rio é prá baiano nenhum botar defeito. Acho que é indispensável dizer o que aconteceu. Logo na saída da praia, uma cor “pink” se estampava no rosto dos dois (naquela época não existia protetor solar). Mas, como jovem não se preocupa muito com essas coisas , foram almoçar e ligar para os amigos que os esperavam para um jantar naquela noite.

Donato e Val, amigos queridos, os esperavam com um lauto jantar. Adauto e Lucinha chegaram efusivos e com muitas saudades. Ela, ainda mancando e agora meio ardida com todo aquele sol do dia. Mas, tudo correu às mil maravilhas e combinaram que a noite do dia seguinte, seria numa churrascaria famosa, com show internacional. Coisas da moda...

Foi mais uma noite incomoda, ora o joelho, ora a queimadura, mas, a manhã chegou e lá foram os dois rumo a Ipanema. Lucinha com saída de banho longa, com estampa igual ao biquini, chapéu e tamanco de salto, ainda mancava um pouco, mas nada que atrapalhasse a vida de uma jovem recém casada. E assim, mais um dia de sol causticante, com muitas fotos de mergulhos, saltos de pedras altas e muitas brincadeiras.

Com a noite chegando, os preparativos para o jantar, Lucinha escolheu um vestido longo, branco (na época se usava muito longo), vaporoso, que, contrastava com a pele “roxa” que ela adquiriu naqueles dois dias. A dor da queimadura já a incomodava bastante, assim como o joelho machucado que agora se mostrava mais inchado por causa do sol, ela mal podia dobrá-lo.

Andando como um robô, mancava sem poder se mexer muito por causa da dor. Mas, como jovem não liga para nada, tudo bem.

O show foi estupendo, e a companhia melhor ainda. Donato, muito engraçado os fez rir a noite inteira. A comida divina e as risadas espantaram um pouco o mal estar de Lucinha, que mudava de posição na cadeira sem parar. Com um ardido latente no bumbum e o sorriso nos lábios já descascando, não via a hora de poder arrancar a roupa e descansar numa banheira de gelo. Ficaram até alta madrugada, divertindo-se em meio aos flashes dos fotógrafos locais.

Outra noite de agonia. Essa, bem pior que as outras duas. Passaram numa farmácia e compraram uma pomada que aliviaria a dor da queimadura, além de analgésico. Chegando ao hotel, Adauto espalhou “Caladryl” em Lucinha, aquele creme viscoso e rosado que a faria melhorar. De início, geladinho, mas que, em seguida, secava e rachava, provocando uma dor ainda mais profunda.

Acordaram, e a ressaca, que lhes provocava a uma dor de cabeça latente e pedia uma coca-cola bem gelada, não os animou tanto a uma ida à praia. Mesmo porque, Lucinha (que ainda mancava) mal conseguia se mexer de tanta dor...em tudo. Só não doíam as pontas das unhas. De resto, estava imprestável. Passaram a manhã fugindo do sol e resolveram bater em retirada. Mesmo com a promessa dos amigos de um show no Canecão, com Roberto Carlos, os segurou. Lucinha queria ir para a Antártida, sentia uma febre horrível que ia da ponta dos cabelos aos ossos. O melhor mesmo seria ir embora. Destino: Cabo Frio.

A viagem foi cansativa, muito calor, aquela queimadura ardendo, mas, enfim chegaram. Aí começou a parte complicada. Montar barraca (usando um manual, claro), arrumar aquele monte de coisas, ajeitar aquelas malas da Europa numa barraca era um problema difícil à beça, mas, sabe como é, jovem topa tudo... Com a barraca montada começaram a desenrolar os fios para a ligação da luz. Nossa, a barraca era grande, precisava de luz na sala, quarto, varanda, era muito fio para tão pouca experiência, mas, Adauto se pôs a descascar o fio com uma faca para começar a operação. Tão logo começou e “vapt”, lá foi um naco do dedo...Adauto sai pulando segurando o dedo fortemente que espirrava sangue, Lucinha saiu correndo para ajudar e buscar o estojo de primeiros socorros. Limpa com água oxigenada, passa Merthiolate (naquela época ainda ardia), sob os protestos de Adauto que depois de muitos “ais” deixa-a acabar o curativo com gaze e esparadrado. Perfeito! Parecia curativo de farmácia.

Continua.... capítulo II