A ACOMPANHANTE

Era uma sexta feira, por volta das 13h00, quando Kamily chegou da faculdade, guardou o material e foi para cozinha preparar o seu almoço. Estava relaxada no sofá da sala. Comia com o prato na mão, em frente à televisão. Seu celular tocou, ela não atendeu. Não estava a fim de falar com ninguém naquele momento.
     
Estava cansada, tivera uma semana difícil: muitas provas e trabalhos para entregar. O celular tocou novamente. Ela pensou: “que saco!” Mas o pegou para ver quem era. A voz do outro lado, que ela já conhecia bem, disse:

     
--- Tenho um trabalho para você, esteja aqui no hotel às 20h00. Capricha no visual e seja carinhosa que vale a pena, é um cliente antigo, um coroa rico e generoso quando gosta do trabalho.

Kamily respondeu friamente:
--- Está bem, eu estarei no local no horário.
     
Colocou o celular ao lado sobre o sofá, com o prato no colo e o garfo na mão, ficou pensando em sua vida.

   
Às vezes, a consciência pesava pelo que fazia... mais por causa de sua mãe, que era uma santa mulher. Seu pai era um homem autoritário, avarento e pouco se interessava pelo bem estar da família. Sempre preocupado com a política, viajava muito a negócio. Apesar de tudo era seu pai e isso também a deixava meio aborrecida.

     
Kamily dividia o apartamento com duas amigas, mas estas não estavam, haviam viajado para suas cidades. Às 17h00 começou se arrumar para o encontro.Tomou um longo banho relaxante, sentou-se em frente à penteadeira, maquiou-se com esmero, vestiu um lindo vestido, calçou sandálias de salto alto, olhou-se no espelho.

   
Ficou contente com o que viu! Estava bonita, sexy e elegante! Pensou consigo mesma: “não tenho o estereótipo de garota de programa, sou uma universitária e acompanhante...” Lembrou-se da recomendação do gerente do hotel: “capricha no visual! É cliente antigo, um coroa rico!” Pensou: “Quem será?”

     
Kamily chegou ao hotel às vinte horas em ponto. Passou pela recepção. Conversavam o gerente e outro funcionário. Cumprimentou-os discretamente, entrou no elevador e subiu para o quarto, que já conhecia o número.

     
Tocou levemente na porta, ouviu uma voz que a mandou entrar. Adentrou, fechou a porta. Ela já conhecia o local de outras vezes. Olhou a porta do banheiro: estava entreaberta e o chuveiro ligado. Sentou-se na cama para esperar. Pegou o celular e via suas mensagens.

     
Passado uns quinze minutos, o chuveiro foi desligado. O homem entrou no quarto, e a olhou... Foi como se tivesse recebido uma forte descarga elétrica! Sentiu uma dor forte do peito, sua visão escureceu e ele caiu! Babava e se contorcia...

   
Kamily rapidamente pegou a bolsa e saiu aos prantos! Entrou no elevador, desceu, passou pela recepção correndo! O gerente do hotel tentou interceptá-la, mas não conseguiu... ela saiu pela rua e desapareceu, como por encanto...

    
O gerente achou aquilo bem estranho. Conhecia bem o cliente, não era homem de maltratar mulher. O que teria acontecido? Ligou para o quarto, ninguém atendeu. Ele chamou outro funcionário e subiram rapidamente para averiguar. Ao chegar à porta, esta estava destrancada.     Entraram e se depararam com o homem caído no meio do quarto, somente com a toalha amarrada à cintura. Chamaram, mexeram com ele... nada! estava morto!

     
O gerente do hotel sabia que o falecido era de uma cidade a uns trezentos quilômetros dali, era casado e muito conhecido em sua cidade devido à política. Se fosse divulgado pela imprensa o que, de fato, acontecera, seria um escândalo! E não seria bom para ninguém...Por isso teve a ideia de ligar para um amigo do morto, também político, que morava não muito longe do hotel e lhe explicar a situação. Este, com sua influência, não deixou que vazasse a real história, já que estava claro que fora morte natural e a moça correra porque se assustara. Desta forma, foi comunicado apenas que senhor estava hospedado no hotel, fora vítima de um mal súbito e viera a falecer.

     
Quando chegou a notícia, a cidade ficou em alvoroço! Seu Jacinto dos Santos, era um homem de sessenta e poucos anos, nascido e criado na cidade. Lá fizera fortuna, possuía uma fazenda e muitas casas de aluguel. Era casado, tinha dois filhos casados que moravam e trabalhavam na fazenda. Ele, a esposa e uma filha de vinte anos moravam numa boa casa na cidade. Esta, Carolina dos Santos, por insistência da mãe, ele permitiu que fosse fazer faculdade fora.

   
Seu Jacinto era um homem severo com a família. Seus filhos trabalhavam como empregados para ele. A filha Carolina dividia um apartamento com amigas, e vivia sem luxo algum. Na cidade, ele era respeitado: religioso, não faltava à missa do domingo com a esposa e a filha. Quando esta estava em casa, ajudava na paróquia com as festas, em tudo que fosse preciso. Sem dúvida, aquele era um homem querido pelo padre e paroquianos, tido como pai de família exemplar.

     
Devido ao seu envolvimento na política, viajava quase todos os meses, e sempre passava fora o final de semana. Naquela sexta-feira, ele chegou ao hotel logo após o almoço. O gerente perguntou:

--- Seu Jacinto, o mesmo quarto e uma acompanhante?
--- Sim! Tem alguma novidade no quadro de meninas?
---Tem sim! Uma novata, de vinte aninhos, mas parece ter dezesseis, um “pitelzinho”.

O velho esfregando as mãos, disse:
--- Sim, manda essa para mim! Hoje estou com bom apetite!
    
No entanto, mal sabiam eles que poucas horas depois o velho estaria morto.

     
Na mesma noite o corpo chegou à cidade onde morava. O local do velório já estava cheio, muitas coroas de flores, gente de toda parte, parentes, amigos, pessoas da igreja, correligionários... até mesmo os adversários políticos, chocados com a notícia, vieram se despedir, cumprimentar a família, esquecendo, por hora, de suas diferenças.

    
No outro dia houve a missa de corpo presente. Opadre fez um sermão inflamado. Desmanchou-se em elogios ao finado:

--- Era um cidadão honrado, um pai de família exemplar, um modelo de cristão!
     
A viúva e os filhos estavam aparentemente conformados com a situação: choraram bastante, mas estavam bem. Havia, tão somente, uma pessoa inconsolável! Sentada em uma cadeira no canto da sala, ela chorava copiosamente. Era a filha universitária do fazendeiro, Carolina do Santos, conhecida nas casas noturnas da cidade onde estudava, como “Kamily”.
   
 
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 01/09/2018
Reeditado em 08/11/2020
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