O grande segredo - Vendinha da Grota

Os três filhos do Coronel Tibúrcio foram mandados juntos para estudar na cidade. A pouca diferença de idade entre eles, contribuiu para que o Coronel tomasse essa decisão. Era mais seguro, explicou ele à Dona Emerenciana, mãe dos meninos. Além da segurança, tinha também outro motivo, mas esse, o Coronel guardou para si. Rígido na condução das finanças da fazenda, o velho acreditava que enviando todos juntos, reduziria o tempo que os filhos ficariam fora, assim como, reduziriam as despesas de manutenção e viagens.

José Roberto, o mais velho, e Jurandir, o caçula, se deram bem com a mudança. Já que morar na cidade, ainda que estudando em regime de internato, era tudo o que mais queriam. Entretanto, Juvenal, o filho do meio, apegado à vida no campo, não se adaptou. Foram muitas as vezes em que foi repreendido pelo professor, completamente alheio aos assuntos da aula, divagando em pensamentos longínquos, ora acompanhando o pai nas rotineiras inspeções das pastagens do Vale, ora conduzindo a boiada, com a peonada, para as invernadas do Retiro, no Cerrado. Nessas ocasiões, podia ouvir o mugir do gado, os gritos dos peões e até sentir o suor a lhe molhar as faces. O banco da escola, os assuntos das aulas e até a metódica sequencia delas lhe pareciam tremendamente enfadonhas, mas, ainda assim, Juvenal se esforçava, pois sabia da necessidade do estudo. Com muito esforço e dedicação, o rapaz conseguiu concluir o Ensino Médio, que naquela época se chamava Científico. O passo seguinte seria o Curso Superior, a colação de grau, em resumo, poder ser chamado de doutor. Não era esse o sonho de Juvenal. Avesso às pompas, Juvenal sonhava com a vida simples do campo. Iria, sim, buscar o máximo de informações para conduzir os assuntos da fazenda, mas sem jamais abandonar a vida simples e o trato igual com a peonada. No período de férias, no final do último ano, quando os três voltaram para a fazenda, Juvenal expôs ao pai sua intenção de abandonar os estudos. O coronel, claro, subiu pelas paredes. Era totalmente contra e tentou, por todos os meios, demovê-lo da decisão. Juvenal, irredutível, não abriu mão de seu sonho e o Coronel, mesmo a contra gosto, acabou concordando.

No ano letivo seguinte, José Roberto e Jurandir seguiram sozinhos para a cidade. Foram concluir os estudos, tornarem-se doutores. Juvenal ficou na fazenda e o período que se seguiu foi de muito proveito para ele. O Coronel, que no início fora totalmente contra sua permanência, agora, não escondia a ponta de orgulho ao ver o filho desempenhar as diversas funções da fazenda, sempre ao seu lado, seguindo seus ensinamentos. Foi um tempo de bonanças em que os laços entre os dois, dia-a-dia, se fortaleceram.

Quando Jurandir e José Roberto se formaram, o Coronel deu uma grande festa, mas sua alegria durou pouco. Logo os dois, agora doutores, anunciaram a ida, em definitivo, para a cidade, onde pretendiam exercer a nova profissão.

O tempo passou e o Coronel, acostumado às rudezas da vida, cada vez mais se desiludia com as ações dos filhos doutores. Levando vida de janotas, adeptos aos saraus da sociedade, os dois torravam dinheiro, mantendo aparências que estavam longe da realidade. Enquanto isso, Juvenal se inteirava dos negócios do pai que agora já não assumia compromisso sem antes trocar ideia com o filho.

Anos depois, numa tarde de verão, após uma borrasca de dar medo, o Velho Coronel chamou Juvenal para um particular. O moço não estranhou o convite, acostumado que estava com as longas conversas que mantinha com o pai. Sentados na varanda da sede, apreciando o belo entardecer que ainda se fizera após a borrasca, Tibúrcio enveredou por um assunto absolutamente inesperado para Juvenal:

-- Você é um rapaz esperto e, certamente, se acha preparado para assumir os negócios da fazenda, estou certo?

-- Ora, meu pai! Por que isso, agora? O senhor é um homem forte e, por certo, ainda vai ficar muitos anos no comando dessa fazenda.

-- Engana-se meu filho! Temos de estar um passo à frente de nosso destino. O dia de amanhã pertence a Deus.

-- Então, por que se preocupar?

-- Não podemos mudar o nosso destino. Mas, podemos nos preparar para amenizar os seus efeitos.

-- Não estou entendendo aonde o senhor quer chegar, com essa prosa.

-- Vou explicar melhor: Você tem conhecimento e traquejo na lida, mas a vida exige muito mais.

-- Que mais o senhor acha que eu preciso saber?

-- Muitos homens conhecem e executam suas tarefas com maestria e, ainda assim, não alcançam o sucesso almejado. A vida é caprichosa e só conduz ao sucesso aqueles que conhecem seu grande segredo.

-- O grande segredo da vida! O que é isso, meu pai?

-- Sim! É algo muito importante, mas tão simples que vai fazer você rir.

-- E qual é o grande segredo da vida, meu pai?

-- O grande segredo da vida é que a vaca não dá o leite!

O velho soltou a frase com um raro sorriso sob o bigode sisudo e

Juvenal de surpreso caiu na gargalhada.

-- Se a vaca não dá leite, então de onde sai todo o leite que enviamos para a cooperativa?

Tibúrcio balançou a cabeça e, agora sério, como de costume, emendou:

-- A vaca não dá o leite, meu filho. É preciso tirar! Da mesma forma a terra não dá o milho, é preciso plantar! Assim são todas as coisas na vida. Você tem de fazer acontecer! Planejar as ações, ter objetivos...

Dias depois, Tibúrcio reuniu os filhos para fazer, ainda em vida, a partilha de seus bens. Fez a divisão conforme seus preceitos, e embora Juvenal tenha se sentido lesado com a partilha que, a princípio, favoreceu os irmãos janotas com a parte mais valiosa da herança, ninguém contestou. Enquanto os outros ficaram com os imóveis, na cidade e as terras mais valiosas, para Juvenal, o Coronel deixou as Terras do Cerrado, que apesar de maiores, eram tidas como fracas e improdutivas. Deixou, também, um terço do dinheiro e um pequeno cofre com uma espiga de milho dentro -- Uma metáfora que Juvenal só foi entender anos depois, quando numa tarde, da varanda de sua casa, no Cerrado, contemplando o verde das pastagens, se lembrou do cofre e resolveu plantar o milho. A terra, antes fraca e improdutiva, agora corrigida e amansada, foi generosa. Juvenal entendeu o recado -- O pai reservara para ele toda aquela extensão de terras porque sabia que, como conhecedor do Grande Segredo, ele saberia transformá-la no melhor quinhão de sua propriedade.

Depois desse dia Juvenal começou a produzir, além do gado, grãos em grande quantidade, o que transformou a fazenda na propriedade mais rica da região, fazendo dele o homem respeitado e requisitado de hoje, com trânsito nas altas esferas do poder.