O papa-ovos

Ruy Ferreira (*)

Início da Década de 1940, em Tairetá (hoje Paracambi), ainda sem iluminação elétrica nas casas e nas ruas, a molecada de dona Jovita adorava ir para a casa de sua irmã - a tia Cândida, lá no bairro do Amapá.

Quais motivos faziam o lar do casal Cândida e Nequinho um lugar tão desejado? E não só aos filhos da megera indomada do Quilombo, mas amigos deles também fugiam das aulas para se refugiarem naquele cantinho de pobreza extrema. Por quê?

Pois bem, certas coisas todo garoto adora. Por exemplo, quem aos 12 anos odeia tomar banho? Todos! Até mesmo lavar os pés para se deitar sempre foi uma tortura para qualquer pré-adolescente.

Da mesma forma, lavar a louça usada nas refeições é um castigo mortal, pergunte para qualquer guri. Pior ainda é ser obrigado a perder aquela partida de futebol só porque deu a hora de ir para a escola. Do nascer do sol até o cair da noite brincar é a razão de ser de um garoto.

Em plena quinta-feira a família de Nequinho aparece no casarão de Jovita. A prosa começa e vai longe. No fogão a lenha as panelas recebem um reforço para atender mais quatro bocas. As crianças recebem ordens para ir buscar ovos no galinheiro e lá vão os irmãos Ary e Afonso e o primo Guigui. Coletam ovos aqui e ali até descobrirem o primeiro ninho atacado por algum bicho. Só sobraram as cascas dos ovos. Nos buracos cavados no Morro do Parque praticamente todos os ninhos haviam sido atacados pelo papa-ovo.

Recolhem o possível e voltam para a cozinha levando a cesta de vime com poucos ovos e muitas cascas para justificar o fracasso da coleta. Afinal, dar aquela notícia para a Jovita era arriscado demais. Caso ela não acreditasse na história o relho ia comer solto no lombo do trio. Jovita, ao ver o estrago causado grita alto: Lete, seu filho mais velho, venha aqui e traga a espingarda. Logo em seguida ele aparece com a arma de carregar pela boca e recebe a ordem da comandante: - vá até o galinheiro e mate o papa-ovos.

Assim fez filho recém-chegado do Tiro de Guerra. Com a molecada agarrada em seu pé, procurou pelo bicho que comia os ovos no quintal. Ary levantou uma longa tábua de andaime e de lá apareceu o intruso papa-ovos: um baita lagarto. O bicho passou feito um corisco pelos moleques e por baixo das pernas de Lete em direção aos varais de roupa.

Com a arma já carregada, o atirador de elite da família se virou rapidamente na direção que o lagarto corria e apontou a cartucheira, apertou o gatilho e quase caiu de costas com o recuo da espingarda. Muita carga de pólvora havia sido socada no cano, junto com balins de chumbo em excesso. Resultado disso?

O tiro esparramou balins de chumbo por um leque bem grande e acertou quase todos os lençóis brancos que ali secavam ao sol. Os furos ultrapassaram a primeira e a segunda, chegando a terceira fileira de varais do quintal. Mais de dez lençóis furados com um só tiro.

Lete se sentou na escada da cozinha e começou a pensar como daria a notícia dos lençóis furado à mãe. Até que tomou coragem e foi à sala onde notificou Jovita do prejuízo causado. Ela ficou vermelha de raiva, apesar de sua pele morena e vociferou para ele: - Pelo menos matou o bicho? Ele, triste respondeu que o bicho nem ferido foi.

Jovita pegou o relho e até Nequinho, que tentou salvar o Lete, levou chicotada no braço. Naquele mesmo dia Cândida e Nequinho voltaram para casa pobre, levando os filhos e três sobrinhos que pegaram o lagarto vivo e o soltaram no quarto da matriarca assustadora.

(*) Professor Doutor