JOGAR PELAS PONTAS

Toda cidade do interior que se preza tem um campinho de futebol aonde, geralmente aos domingos, a rapaziada se reúne no esfriar do sol para bater uma bolinha, tomar umas bicadas, lavar com cerveja e comentar as jogadas comparando com as memoráveis de outros jogos que nem sempre foram tão memoráveis assim.

Vez por outra há disputa entre as cidades e os deslocamentos são feitos em caminhões dos próprios jogadores ou de alguém que já passou da idade para tais aventuras, mas que ainda guarda na memória jogadas extraordinárias tantas vezes recontadas e em cada vez com mais detalhes, quase sempre inexistentes, mas que dão aos feitos mais destaque e importância.

Naquele 7 de setembro, feriado nacional, dia de confraternização entre todos o time da Baixa Verde foi jogar com o time de Lagoa Nova.

Chico da bolandeira, ainda cedo antes do almoço, resolveu dar banho nos cachorros, mas não sei por qual cargas d’água foi atacado pelo casal de fila brasileiro e foi levado às pressas para a clínica para costurar o braço que ficou em frangalhos.

Acontece que Chico é o centroavante do time da Baixa Verde e sem ele não haveria jogo.

Mas o jogo tinha que acontecer, porque depois do desfile das bandas de música seria o ponto alto da inauguração do campo que o prefeito mandou fazer para se garantir na reeleição do ano seguinte.

O jeito era colocar um outro centroavante, fosse quem diabos fosse.

Alguém mais entusiasmado garantiu que Biu de Tiana era jogador de primeira, que nunca tinha perdido uma partida e que sabia fazer gol como ninguém.

A arquibancada do campo já não cabia mais ninguém quando Alonso chegou no vestiário arrastando Biu de Tiana pelo braço.

Preto feito a consciência de Judas, quase dois metros de altura, forte como um touro, era a garantia da vitória. Na hora de distribuir as chuteiras, Alonso perguntou a Biu de Tiana qual era o número do pé dele. A resposta foi:

- É grande. Arranje a maior que tiver.

Os pés enormes de Biu de Tiana, com quase um palmo de distância entre o dedão e o mindinho, nunca tinham sido colocados dentro de sapato, muito menos numa chuteira.

Com muito esforço ele conseguiu calçar, mas com os pés trocados. Quando Alonso viu a marmota, perguntou:

- Que diabo é isso Biu, você está com os pés trocados?

- Deixe comigo, é para jogar a bola pelas pontas...

(Quem me contou esse causo foi Zéricardo de madrinha Lourdes, ontem de noite quando a gente foi comer galinha de cabidela no bar de Baracho)