Doce de Leite

O frio de julho e os ventos empoeirados de agosto, já não estavam presentes . Era um sábado de outubro, quando o dia se espreguiçava atrás da serra.

O dia , numa preguiça danada que deitou ontem com um pincel sujo de tinta na mão, acordou espichando os braços rabiscando o ceu de vermelho. As galinhas do quintal , as vacas e aquela passarinhada toda cantavam, movimentavam-se satisfeitas , agradecendo o Criador pelo novo dia.

Quando isso acontecia , eu já estava lá no pastinho de cima , pés descalços no orvalho meio esbranquiçado , para buscar o Cigano, cavalo avermelhado, alto, marchador e o Russo, tamanho menor, não tão marchador mas, esperto , que só o seu Inácio o utilizava. Era ótimo para a lida do gado.

Era o dia de irmos à Matinha para ver e dar sal para o gado . Naquela época, o sal era fornecido apenas de quinze em quinze dias. Era caro e não necessitava de amiudar esse espaço .

Matinha, era uma segunda fazenda que tínhamos , lugar de terras férteis, próprias para plantações dos produtos de subsistência . Nas áreas onde fora lavoura tempos anteriores, tornaram-se pastagens. Ninguém morava ou moraram ali .

Com o marchar do Cigano e o troteio do Russo , chegamos e já víamos parte de gado dentro do curral. Parece que estavam adivinhando que era dia do sal ! Faltavam várias e por isso , o Seu Inácio , nunca esqueço disso, encostando o polegar com o indicador fazendo um ``O`` nos lábios soprou, fazendo um ruído semelhando-se a um berrante . E com esse sinal , várias outras rezes começaram a surgir do meio das ramagens e capoeiras. .

Ainda faltavam outras. Atravessamos aquele ¨corguinho¨ após o curral e lá no alto daqueles morros onde estão hoje estão os eucalíptos do Sebastião, lá estavam , vindo já em nossa direção. Ouviram o som do berrante.

Com o sal no cocho, cabeça por cabeça foi analisada para cientificar de que todas estava bem, sem nenhum ferimento, incidência de bernes ou carrapatos. E assim, o primeiro ítem das tarefas do dia , estava resolvido.

Passamos por aquelas partes de terra que foram do Iron e minha , até atingirmos um colchete de arame na nossa divisa com o compadre Limírio , não, o Limírio não era compadre ! Era compadre sim, padrinho da Salete ! Dali à casa dele foi um pulinho , cerca de 400 metros. Foi uma alegria e uma satisfação imensa em ver o amigo ! Naquela época ninguém tinha costume de avisar que estava indo fazer visita!

Como já chegava a hora do almoço, nove e meia para às dez horas ---o controle das horas , era a altura do sol, ninguém precisava de relógio --- fomos convidados, de maneira bem contente, para o almoço . Não vou falar nada sobre o cardápio , pois seria um sacrifício para vocês ! Fiquem portanto salivando a boca !

Meio na direção do Guapó, fomos rumo à casa de um compadre, que não tenho nenhuma lembrança onde fica ! Vou ter que perguntar ali no Guapó.

Lá do alto, vislumbrávamos uma casa grande, nova , com portas e janelas azuis e uma faixa nas paredes externa , também de azul. As telhas avermelhadas, eram totalmente diferentes das tradicionais comuns de todas as casas . Eram o máximo em coberturas de casas naquela época. Acho que foram fabricadas na cerâmica Serrinha do Sr Bariane, ali na Pirraça, perto de Guapó e dos Chiquinhos Vicente.

A casa cheirava nova e com aquela alegria do compadre em nos receber, causava um clima de extrema positividade e satisfação ! Quatro quartos, sala e cozinha imensas . Casa de fazenda tinha que ser .

Compadre, veja aqui, temos até uma geladeira ! –Nem a tia Nega recém casada em Goiânia, tinha geladeira !

Mas compadre, você não tem energia elétrica, como funciona?

É a querosene, veja aqui ! --- e mostrou uma lamparina debaixo da geladeira .

Compadre, como funciona se tem é o fogo de uma lamparina em baixo ?

Não sei compadre, mas que funciona, funciona ! E abrindo

a geladeira disse : põe a mão aqui . Eu também coloquie minha mão e os dedos ficaram grudados. Credo !

Vem aqui agora que quero mostrar o carneiro ! -- O Antonio Ducarmo também cria carneiro, pensei ---! Como eu não tinha aroeira grossa para fazer uma bica grande, fiz de cimento !

Uma bica toda vermelha,-- se era de cimento , tinha que ser vermelha,-- e em seu final , um tanque de 1x1 m com cerca de 3m de altura. E lá em baixo uma bola comprida ,também vermelha , -- vai gostar de vermelho-- com um martelo batendo... tum . tum.. tum !

Daqui , esse carneiro jaga água lé em casa ! Lá na casa vi, uma torneira em uma pia da cozinha , também de cimento vermelho , um chuveiro cuja água era aquecida no fogão de lenha com uma serpentina, também uma grande novidade. Não vi vaso sanitário e se tivesse visto não saberia qual seria a finalidade.

Como já beiravam 14 horas a comadre chamou para a merenda que já esta na mesa.

Querem que eu fale sobre o que havia sobre a mesa ? Hã , hã ! Só vou falar sobre o doce de leite gelado ! Ah , vocês não imaginam o que era aquele doce de leite gelado ! Ele não doía os dentes como aquela água gelada, que o compadre havia nos servido anteriormente ! Era um sabor que não se explicava ! Todas as papilas gustativas se reuniram para participar daqueles sabores jamais vistos. Quanto aos bolos e biscoito, nem me atentei para eles ! Mas o doce de leite !...

Chegando em casa, entusiasmado, comecei a contar para todos as novidades mas, o up , era o doce leite! Ah, doce de leite ! ...

Foi na casa de quem ?

De um compadre do papai !

Qual é o nome dele ?

Sei não !

O seu Inácio ouvindo esse ¨sei não¨ ! ... Como não sabe meu filho, passamos tarde na casa dele e você não sabe o nome dele ? É o compadre João Queiroz ! ...