CICLISTA DE PRIMEIRA VIAGEM

Aproveitando a oportunidade de comprar uma bike de segunda mão a um preço módico, Gustavo, sem pestanejar, fecha o negócio.

Ainda sem muita informação sobre o ciclismo, sai para o seu primeiro pedal. Fica tenso, meio trêmulo, as pernas não respondem bem e são muitos os desconfortos.

Conversa com algum conhecido que já tem o hábito de pedalar e este realiza alguns ajustes na bike e passa várias informações e dicas a respeito dos “segredos da magrela".

No seu segundo pedal arrisca ir um pouco mais longe, conseguindo pedalar "uns 10 quilômetros."

O mesmo amigo indica um aplicativo que registra as distâncias e, na primeira oportunidade, Gustavo refaz o percurso do último pedal que fizera, chegando à decepcionante conclusão de que são 7,8 quilômetros e não 10 como imaginara.

O tempo passa, o Gustavo persiste e está quase conseguindo pedalar 50 quilômetros.

Descobre que tem um grupo de ciclistas que pedala em alguns dias da semana à noite e passa a participar.

Logo alguém o convida para fazer o seu primeiro pedal de 3 dígitos, mas Gustavo hesita, afinal, até então, o seu pedal mais longo foi de pouco mais de 50 quilômetros e quase todo no plano.

Prometeu que ia treinar mais um pouco e que no mês seguinte iria se atrever a tão longa distância.

E eis que chegou o grande dia e Gustavo compareceu no local marcado, às 6 horas da manhã. Estava tenso, pois além de nunca ter feito um pedal tão longo e esperava retornar à sua casa, no mais tardar, às 13 horas daquele domingo.

Na parada para o lanche, no meio do percurso, já estava exausto pelas sucessivas subidas que teve que vencer com tanto esforço. Já sentira as primeiras pontinhas de arrependimento, por ter aceito aquele desafio.

Estava desanimado mas não havia alternativa, tinha que vencer o caminho de volta.

A cada início de subida, uma vontade de largar a bicicleta ali mesmo e encontrar outra forma de voltar para casa.

Alguns componentes do grupo foram-lhe solidários e seguiram no seu ritmo, dando-lhe apoio moral para superar o percurso que ainda restava. Outros, contudo, não se dispuseram a retardar a volta e seguiram na frente.

“Força, agora é só mais aquela subida, depois uma descida e chegaremos no nosso ponto de encontro.” Dizia um colega encorajador.

“Não falei, chegamos!” Disse o solidário companheiro.

Cabisbaixo, sem forças até para descer da bicicleta, Gustavo debruça, demoradamente sobre o guidom e tenta disfarçar o choro.

Os companheiros percebendo aquilo, trataram de parabeniza-lo pelo feito e pela garra com que superou, até ali, aqueles emblemáticos 101 quilômetros.

Sobreveio-lhe fortes câimbras e precisou ser amparado por um de seus colegas, que o retirou da bicicleta, deitou-o ao solo, forçando-lhe as pontas dos pés para trás, no intuito de fazer-lhe cessar as fortes contrações musculares.

Gustavo deveria estar feliz por ter conseguido seus primeiros 3 dígitos no pedal, mas só conseguia pensar nos longos 5 quilômetros que ainda restavam para chegar em casa.

Um dos companheiros fez-lhe companhia até a sua casa e lá chegaram por volta das 14:30 horas.

Exaurido, cabisbaixo, deprimido e com dores por todo o corpo, tomou banho e foi direto para a cama, sem nem mesmo se alimentar.

Durante quinze dias não podia nem ouvir falar em bicicleta. Até que no décimo sexto dia, saiu para um pedal.

Rafael Arcângelo
Enviado por Rafael Arcângelo em 28/03/2021
Reeditado em 29/03/2021
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