A xícara

Que vou fazer com este café? Foi o que o meu irmão pensou, ao sentir um cheiro de barata na xícara que o dono da casa lhe entregou. Não suportava cheiro de baratas, bicho que sempre lhe causara nojo. No meio daquela sala cheia de gente, tomou conhecimento de que precisava jogar o café fora. Hesitou-se por um instante. Mas logo compreendeu que a sua decisão era irrevogável. Estudou a questão e concluiu que a única maneira de jogar o café fora, seria disfarçadamente, para que ninguém notasse. Primeiro, porque o dono da casa era seu amigo e não queria lhe fazer uma desfeita. Segundo, porque não queria passar pelo embaraço de ser pego jogando a bebida fora.

Havia na sala mais de vinte pessoas, todas conhecidas. Tomavam café animadamente. Não havia cadeiras para todo mundo. Algumas pessoas estavam sentadas à mesa, enquanto outras, em número bem maior, estavam em pé. Conversavam. Ele, num canto da sala, não falava com ninguém. Calado, esforçava-se para encontrar uma solução para seu problema. Precisava fazer algo urgente, mas o que?

De repente, sua atenção se prendeu a uma janela basculante, no fundo da sala. Aquele achado o convenceu de que tinha encontrado a solução procurada. Por vários segundo olhou a janela atingido pela agradável sensação de que era ali, que ia se livrar do café.

Mas precisava ir até lá, pensou. Imaginou, pela posição em que estava, que se chegasse até a janela, teria a chance, em poucos minutos, de resolver seu problema. Pôs-se a estudá-la, antes mesmo de se decidir caminhar na sua direção. Talvez desse para o quintal ou para algum um outro lugar. O importante é que seria um bom local para jogar o café fora. Como havia muita gente entre ele e a janela, planejou chegar até ela, deslocando-se no meio das pessoas, bem devagarzinho, sem levantar suspeita.

E assim, entre sorrisos e acenos de cabeça, pediu licença às pessoas a sua frente e lentamente se moveu em direção à janela, parando às vezes para conversar ora com um ora com outro. Para que não desconfiassem de sua intenção, a cada passo, soprava o café já frio e fingia que o tomava, fazendo todos os ruídos apropriados. Só não entendia como é que aquela gente conseguia tomar café com cheiro de barata.

Caminhando lento e pensativo chegou finalmente, junto à janela. Disse para si mesmo, antecipando a vitória: Até aqui, tudo correu muito bem. Olhou por entre as grades da janela e viu que o quintal era cercado por um muro alto. Depois, verificou em volta com muito cuidado, pela última vez se alguém o observava. Ninguém. E então, fechou os olhos e sem pensar duas vezes, jogou o café pela janela com toda a força que pôde reunir.

Ficou orgulhoso de sua proeza. Sentiu até vontade de gritar, de bater palmas, de se aplaudir, comemorar a sua esperteza, mas ficou gelado ao descobrir que a xícara tinha duas partes. Uma delas, o suporte metálico, estava em sua mão. A outra, a de porcelana, ele acabara de jogar fora junto com o café.