Pai Zé E Suas Artes 1

Pai Zé, tinha artes que não dá para se perder, no conto das minhas eternas lembranças.

A lenha era ouro para nossa comida, ajeitada com amor e carinho, por nossa Mãe Cezê, naquele fogão antigo, já sem a portinha, e escurecido pelas fumaças das tantas guloseimas preparadas.

Não que estivesse fora de asseio, mas do tempo de uso e a validade no seu prazo da normalidade.

Bombeiro: Cabo; Enfermeiro; Padioleiro; Salva-Vidas, de tudo: Mais um pouco, a profissão que tinha e que dava o sustento para treze filhos, naquele período.

Nas folgas, aqueles roçados do Senhor Tito Chagas, ficavam autorizados para serem esvaziados, ao máximo que pudesse guardar de suprimento.

Vezes outras em outros matos, quando levava a gente para passeio e é claro, também, uma pequena ajuda no carregamento.

Mas, uma de suas artes quase deu ruim ao inventar uma ferramenta para tirar um galho seco de um pinheiro, que ficava bem acima das nossas cabeças, dentro do nosso espaço de moradia.

Amarrou um martelo na ponta de uma corda, imaginando, com seu lançamento, uma volta, e de retorno com as duas pontas, forçar para a fatal queda.

Tudo ia muito bem, quase conseguindo, dava pra ver que era por instantes, até o dito cujo se desvencilhar dos nós, e sozinho descambar, pegando Pai Zé, na testa.

Foi sangue para todo lado, e um susto enorme naquele drama assustador.

Forte como era, não se abalou.

Levou a bordoada, e como um personagem do circo, equilibrou-se até vê-lo cair no chão para nosso desespero, principalmente da Mãe Cezê.

- Pensam que se deu por vencido?

Ajeitou o danado, amarrou bem, fez uma oração, balbuciou algo, tipo: Se me aprontar, te volto para bigorna, camarada!

Lançou o bicho, laçou, no círculo perfeito o teve de volta, juntou a outra ponta e num golpe só, trouxe o fatídico galho chão abaixo.

Era a sua vitória.

Só aí é que procurou sentir a gravidade do ocorrido.

Não se via lamento algum na sua atitude da persistência.

A comida daquele dia foi as das melhores que ele já tinha comido, com muito orgulho.

Pai Zé, tinha um jeito peculiar para incentivos.

Resolvo fazer uma casa para meu cachorro Duque.

Depois das tantas marteladas e quase chegando ao final, ele aparece com um recorte de revista, onde se via um menino no seu ajeito, e um cachorrinho com uma circunferência ao redor, com o seguinte dizer: Esse menino tem futuro!

Pai Zé, adorava fazer piadas, enquanto não ouvia uma gargalhada, punha-se a arrumar uma mais engraçada, depois da outra.

Ainda, aos quem não estivessem dispostos ao humor, estando por perto, não haveria a escapatória.

Mana Cli, pode confirmar esse fato.

Certa feita, vem ele com uma boa preparada, bem na hora quando o cafezinho fora servido.

Cada um tomava o seu golinho, pois era uma cota do direito de todos, possíveis para o financeiro da hora.

Mas porque, no arremate, executada com maestria, ela estava logo de frente, justo no tempo do meu gole acontecendo?

Só sei que foram gargalhadas, cusparadas, espirros, assopros, espantos e aquele grito descabido, correndo para se lavar na bacia furada, com seu rosto lambuzado de café.

Pai Zé, tinha habilidade com o corpo humano, critério dos seus estudos e atento para eventualidades: Engasgos; Machucaduras; Necessidades Gerais, etecétera bicicleta, como expressava costumeiramente.

Mana Cli, teve benefício, dos vários que ele fazia, para os irmãos...

Fato que lembro com propriedade, por um dia ela ter seu maxilar fugido do lugar.

Pai Zé, não perdeu tempo...

Puxa daqui, puxa dali, estica, dá jeito pra cá, dá jeito pra lá e eis de volta ao carrinho no lugar...

Pronta para compreensão e esquecimento do episódio anterior.

Finados, Dia de visita à Tia Clarícia, em Alexandra Paranaguá, Pai Zé, vai ao cemitério, a convite das Sobrinhas: Cezarina e Cleusa, faceiro como sempre, quando se portava para se apresentar no seu gosto.

Carregavam um pacote contendo Pães, bananas e farinha.

Sem pretensão de levar para dentro, Pai Zé, vendo um monte de tijolos, arriou ali mesmo, pensando seguro, puseram-se caminho adentro, para estarem com os parentes queridos.

Feito as orações, lamúrias e tais, se puseram de retorno.

Mas, no ponto da partida, onde estava? Havia, era, sumido!

No ato engraçado que ficou, pois o humor é ouro nesta família, Pai Zé, não perdeu tempo, e do modo como expressou, não foi possível diminuir as gargalhadas, inesquecíveis até os dias de hoje:

- Fiquem tranquilas, provavelmente foi uma boa alma que levou, pois estava com necessidades, aqui perto... Faça bom proveito. E usou até o pacote!...

Pai Zé, não era fácil, também.

Não tinha muito conformismo com a derrota.

Fazia cara feia e não havia nada que o convencesse, entretanto, grande incentivador das práticas esportivas, no meu caso: O futebol.

Tinha suas regras, as defendias com muita garra, e sua verdade era única, indiscutível para nós de casa e as piazadas do lugar.

Duas latas de azeite de um lado e duas do outro, num retângulo nove por cinco, riscado com os pés.

A formação abaixo era quase sempre a mesma, em raras ocasiões mesclada, quando havia molecadas na área, sempre bem-vindas.

Três para cada lado: Zico; Ciro; Denilton, versos: Pai Zé; Vilson e Dilton.

Gols só valiam rasteiros;

Validados no visual: Esse foi por cima... Ah esse tá valendo... Quem era o Juiz?

Lata arriada, gol não valia;

Batendo na lata e não a derrubando, o gol era dobrado;

Não havia pênalti;

Com camisas, sem camisas, decididos no par ou ímpar;

Saída de bola, era quem se considerava o time fraco, no caso acima: O time do Pai Zé.

A Modéstia não me permite aumentar, então vou me limitar ao fato em que vi o mato, mata adentro.

Tinha destreza nos movimentos, e por mais que não marcava meus momentos de vitórias, creio que aquele dia, Pai Zé, não estava para brincadeiras.

O placar não estava a seu favor, e numa dos meus dribles, quando levava a bola para o desfecho final, me vejo num embaralhados de mãos e um punhado de galhos que passavam por meu corpo, até me sentir seguro no meio do matagal.

Volto pro terrão, e prossigo meus trançados, como se nada tivesse acontecido.

O certo é que meu time perdeu no placar geral, naquela feita, ou desfeita, sei lá.

Quem sabe?

Pai Zé, numa ocasião em que preocupou Mãe Cezê, saiu para comprar pão, mas por seu excessivo tempo que teve, no seu retorno, não mediu esforço em lhe dar uma dura, nem se importando com minha alerta, na intenção de aliviar a situação:

- Com certeza está conversando com seus amigos...

- Sua demora, Zé, só me diz uma coisa: Passou no bar para beber.

- Nada disso!

- Sabe que não, não bebo fora, e nem trago bebidas para casa!

Algo acionou em mim, sem pestanejo, para retrucar:

- Nem precisa, já traz tudo na barriga.

Ele olhou para mim e só falou:

- Olha quem se engraça?

Num passeio que tive, com Pai Zé, nas ruas, não pude deixar de fazer uma observação, vendo o quanto ele era querido, e não menos dos cem metros galgados, já havia cumprimentado várias pessoas do seu conhecimento.

- Pai, ao invés de ficar levantando e a abaixando o braço, por que o senhor já não fica com sua mão levantada?

- Se cansar uma, já tem a outra para isso, na sua mesma função de corresponder.

Ficamos nos risos indefinidos de aprovação ou não.

Pai Zé, não se assustava com temporais.

Em dias ou noites de tempestades saía para fora, ia no centro do terreiro, mesmo nas chuvas, raios e trovões, sem antes nos anúncios que principiavam tudo, é claro, dizer:

Cezê, está vindo um temporal!

Minutos depois, com todas as preocupações voltadas para aquela porta que demorava para abrir, ele chegava, todo encharcado, mas com um semblante de um dever religiosamente cumprido.

Depois que parecia a tranquilidade no seu devido lugar, louvava falando:

Minha oração é forte. Olhem! Pararam os relâmpagos, o perigo acabou.

Maiores ensinamentos que deixaram para nós: Pai Zé e Mãe Cezê, onde me valho e faço questão de alinhavar e enrobustecer o meu texto, são:

O estudo; A disciplina; A honestidade; A persistência; O orgulho da meta conquistada com valor próprio.

O maior tesouro propulsor disso tudo, que sublinho com maior ênfase, que executavam com precisão, vinham por devoção, por Fé, a Deus.

Legado suficiente que dá força de continuação e conservação da família.

Tem mais, muito mais, pra aumentar meu conto, mas que não agora, vai muito longe, com demora para final de ponto...

José Corrêa Martins Filho
Enviado por José Corrêa Martins Filho em 11/08/2023
Reeditado em 17/08/2023
Código do texto: T7859321
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