O SARGENTÃO

Contam que, naquele tempo em que as forças armadas eram escolas correcionais para pessoas ditas incorrigíveis, havia pessoas que por não terem outra ocupação, juntavam-se às corporações e nelas permaneciam até o fim das suas vidas, porque não havia plano de carreira nem tempo determinado para a prestação de serviço militar.

Então quando o sujeito tinha pouca ou nenhuma instrução, mas que era obediente como cão adestrado, tornava-se agregado na corporação, aonde envelhecia sem passar dos primeiros postos, como cabo ou, no máximo, terceiro sargento, tornando-se o confiável “faz tudo”, instrutor dos recrutas e a certeza de que as ordens dos oficiais seriam fielmente cumpridas.

Notadamente na Marinha, que as crônicas de outras épocas revelam que os homens eram “catados” no submundo da orgia e levados embriagados para os navios prestes a zarpar e, uma vez lá fora em alto mar, ou se tornavam intrépidos marinheiros obedientes às ordens do capitão ou eram “convidados” a voltar nadando para a costa...

Mas essas histórias aterrorizantes não eram impedimento para que nas dependências daquela corporação, notadamente nas escolas e postos fixos ao longo da costa, também houvesse os velhos Cabos ou Sargentos e entre esses havia um sargento que fazia questão de cumprir e fazer cumprir as ordens superiores a qualquer custo.

O Sargento Custódio, (alcunhado Sargentão) sério e carrancudo como estátua de herói morto em guerra, inabalável como atracadouro de beira de cais, era vigilante e temido por todos que estivessem sob seu alcance, mas como todo déspota era, em alguns momentos, subjugado pela esperteza dos subalternos.

E aconteceu que num desses postos fixos houve racionamento de água potável, os banhos teriam hora marcada e tempo de duração determinados. Quem tomou banho, tomou; quem não tomou, fica para amanhã.

Mas essa determinação nem sempre era cumprida, porque a rapaziada sempre encontra um jeito de se dar bem e muitos deles, fora do horário permitido, tomavam o banho mais do que necessário depois das tarefas braçais.

O sargentão media regularmente o volume da água disponível e pelo desencontro nas medições, desconfiou que ela estava sendo usada indevidamente.

Sem a farda, a paisano no jargão militar, ficou fingindo varrer os corredores perto do alojamento da tropa, na certeza de que pegaria o faltoso.

Entre os recém-chegados havia um “sem noção” desses abestados que falam pelo simples prazer de aparecer e que sem reconhecer o sargento sem a farda, entregou todo o esquema quando perguntado:

- Para onde você vai com essa toalha no pescoço?

- Vou tomar um banho. Hoje é dia de encontrar a namorada.

- Mas a essa hora não é proibido por causa do racionamento?

- É, eu sei, mas o otário do Sargentão nem desconfia que a gente toma banho depois da hora marcada. Sá-comé, né? Ordem é para ser descumprida merrrmo...

O esquema foi descoberto. O sem noção expulso da corporação e o restante da tropa detida por uma semana para entender de uma vez por todas que ordem que não afeta a honra é para ser cumprida sem contestação.