A VIDA NÃO DEVERIA SER ASSIM

O dramaturgo Nelson Rodrigues escrevia um conto de sucesso diário no jornal carioca Última Hora, lá nos distantes anos cinquenta, mais tarde essa coletânea de textos foi organizada em livro homônimo, que desfrutou de muito sucesso.

O objeto desses relatos era retratar fatos reais, boa parte deles, extraídos das páginas criminais dos muitos periódicos da então capital federal, mostrando que tanto em famílias supostamente distintas, como em relacionamentos furtivos, principalmente aqueles que aconteciam nos subúrbios da cidade, comprovavam que nem tudo são flores no cotidiano das pessoas.

Busquei esse paralelo para melhor aproximar uma sequência de fatos sórdidos, que por acasos da vida pude acompanhar por período significativo de tempo me levou a perplexidade diante de tanto egoísmo, exacerbado significativamente nos últimos anos.

Até o ano 2000, ninguém poderia imaginar, que aquela distinta família moradora na Zona Sul carioca vivenciaria transformação tão trágica no futuro.

Para muitos profissionais liberais, o avanço da idade interfere de maneira decisiva na sua qualidade de vida, entradas financeiras vão gradativamente minguando, e quando menos se espera, torna-se inviável manter aquele habitual padrão de vida, tão arduamente galgado ao longo de tantos anos de trabalho e dedicação.

Nesse ínterim vieram netos, que sempre trazem alegria incomensurável na vida dos avós, dois meninos do Bento e uma menina da Patrícia, marcada por surtos depressivos ocasionais, e que já começava acumular casamentos mal resolvidos.

Bento, consciente do problema dos pais, resolve abrir mão da individualidade de sua nova família, e em consenso com a esposa, muda para o amplo apartamento dos pais. Essa perigosa estratégia visava minimizar gastos, postergando uma banca rota, que se aproximava a olhos vistos.

A estratégia de solução era composta de dois componentes econômicos: assumir custos de concessionárias e também evitar gastos desnecessários dos pais, em suas constantes recaídas, que traziam o prazer momentâneo de consumo, que há muito não mais fazia parte da espartana cesta de produtos atual.

Essa ação surtiu êxito imediato, minimizou déficits, e assim finanças davam a nítida impressão de que trariam o trem de volta aos trilhos.

Passado algum tempo, mesmo com Rogério canalizando esforços para uma nova profissão, a arte de pintar, este trabalho passou a suprir, de forma significativa, boa parte das despesas, evitando uma precoce insolvência do casal.

Agora, Bento além de seu trabalho formal, se dedicava a produção e organização das bem sucedidas vernissages do pai, que podia voltar a comemorar bem a sua maneira, o resultado das vendas de telas.

Com o passar do tempo, a energia para fiar de pé por horas pintando quadros também foi se esgotando. Quando, enfim a situação ficou insustentável, Bento sugeriu a venda do valorizado imóvel e sua substituição por uma casa de vila, que ele mesmo encontrou, numa área menos valorizada, para assim garantir de vez, um montante que permitiria retiradas mensais para compor o orçamento doméstico dos idosos pelo restante de suas vidas.

Agora sim, finalmente tudo parecia caminhar para um final feliz. Somando aposentadorias do casal, o trabalho de pintor e os rendimentos do valor investido, daria até para ocasionais extravagâncias. Segundo Bento, esse montante investido permitiria aos pais uma autonomia financeira de longo prazo.

Então veio o acaso, em um lapso de três meses subitamente vieram a óbito, primeiro Berta, a esposa e logo em seguida Bento, que gerenciava a organização dos recursos financeiros dos pais.

Patrícia sentiu que finalmente chegara o momento de catapultar sua medíocre vida de professora do ensino fundamental, e antes mesmo do enterro de Bento, já solicitava a Rogério, o controle das finanças, e teve prontamente atendida sua solicitação.

O tempo passou, e a verba que deveria manter os pais por muito tempo protegidos, num piscar de olhos se reduzira a pó. Desde a morte do Bento, o padrão de consumo de Patrícia evoluiu a olhos vistos, sua filha Hilda emendava cursos no exterior sob auspícios da verba familiar.

Solange, viúva do Bento e seus dois filhos Paulo e Márcio se desgarraram da vida do avô, e nunca se preocuparam em manter algum controle de sua parte, numa futura partição da herança. Essa postura facilitou, ah e como, as travessuras financeiras de Patrícia

Visando sempre minimizar custos com Rogério, ela não se fez de rogada, separou o pai de uma devotada empregada, que sobreviveu aos altos e baixos da família, mantendo fidelidade devotada ao patriarca, acredito que postergou por bom tempo sua saída, em função da piora do seu estado de saúde da patrão.

Patrícia parecia inconformada com a eterna situação não resolvida. À sua maneira, intempestivamente internou o pai numa clínica dessas encurtam o tempo de passagem por essa dimensão para idosos. Como a fome por dinheiro era insaciável, despediu a empregada, deu fim a mobília e anunciou a casa para venda.

A literatura mostra que Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) se constituem na forma mais eficiente de abreviar a vida do idoso. A última notícia é a de que o pai depois de duas paradas cardíacas se encontra internado numa UPA em estado que inspira cuidado.

Em apenas sete anos, Patrícia dilapidou integralmente a verba para a manutenção dos pais. Pelo andar da carruagem, a herança, que a princípio deveria ser repartida igualmente entre ela e Solange já deve ter sido incinerada. Conta a lenda, que esse dinheiro alheio que entra fácil na conta bancária, se dissolve no ar, e esse bem estar momentâneo propiciado também.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 08/11/2023
Código do texto: T7927220
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